OS SEGREDOS DO CARVOEIRO
Penso que foi o professor Euclides Rossignoli - em um dos seus textos - quem me fez recuperar as lembranças do "carvoeiro".
Tratava-se de uma elevação entre os trilhos das ferrovias, ao que me parecia formada pelo acúmulo de carvão descartado pelas locomotivas a vapor. Antes ou depois de abastecidas com água - próximo havia uma grande caixa d'agua - abandonavam naquele ponto os dejetos de suas fornalhas.
Lembro que aquele espaço era lúgubre - os pais evitam passar por ali à noite e recomendavam às filhas que o evitassem, mesmo durante o dia - apenas um atalho para se alcançar a Vila Margarida. Durante à noite a ausência de iluminação pública e vazio de usuários ainda o deixava mais sinistro.
Mesmo durante o dia, era ponto de encontros clandestinos, sendo inevitável depararmos com a prática de atos libidinosos - para deleite de algum tipo de voyeurismo precoce . A notícia de crimes ali ocorridos, incrementavam a má-fama do local e com isso despertava a nossa curiosidade.
Ainda assim, os meninos - contrariando orientação dos pais - iam ter àquele local para brincar. Divertíamos soltando papagaios, as condições do terreno facilitava o empinar do "maranhão". Ou, apenas escorregando pelas trilhas íngremes formadas pelo caminhar das pessoas que delas se utilizavam como atalho, mesmo deixando vestígios inconfundíveis em nossas roupas.
Logo fiz daquele local passagem obrigatória para chegar à Escola Artesanal, onde fui matriculado - sob protesto - com propósito de aprender uma profissão. Depois de um ano, mais cabulando aulas - simplesmente para apreciar a cidade do alto do "carvoeiro" - que aprendendo a operar os tornos, fresas e furadeiras, voltei a praticar a ociosidade inconseqüente, para tristeza e preocupação de meus pais.
Destacavam-se no sopé daquele monte - entre os trilhos das ferrovias - certamente por falta de moradias condignas, diversas famílias habitando vagões de carga - transformados em residências para os trabalhadores menos qualificados. As escadas de madeira, mantidas lavadas e bem limpas, o banheiro construído ao lado - ao nível do terreno - e um pequeno jardim sempre bem cuidado, identificavam a moradia humilde, como um lar.
Para alcançarem o centro da cidade, seus moradores caminhavam pela beira dos trilhos e passando pelo interior da estação chegavam à Praça Mello Peixoto, cinema, bancos, comércio e seus locais de trabalho.
Aquele caminho, era passagem obrigatória da bela mulata "Tica", nascida e criada numa daquelas casas. Vestida sempre de branco exibia suas curvas e formas exuberantes. Caminhava por ali - como se desfilasse por uma passarela - sob os olhares aguçados dos empregados das ferrovias, viajantes e nós outros que ali postávamos simplesmente para vê-la passar, sempre altiva e ignorando os comentários mordazes de seus admiradores.
Por certo, atualmente o "carvoeiro" não mais exista e tampouco os trabalhadores continuam a criar suas famílias morando em vagões - adaptados como residências - mesmo porque as nossas ferrovias deixaram de existir, como agente empregador e fomento do progresso do nosso interior.
Ainda assim, como as montanhas, o "carvoeiro" saberá manter os seus segredos!
(Folha de Ourinhos - 27/08/2006)
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