NÃO NOS DISPERSEMOS
O exercício da democracia exige
disposição para o embate de
ideias e discussão sobre
projetos de governo.
É o momento de resgatar a expressão cunhada por Tancredo Neves. É hora de recuperarmos o espírito das "Diretas Já". Não há motivo para desalento. Ganhar ou perder faz parte do jogo democrático.
A democracia exige o engajamento político - de preferência partidário, ainda que não obrigatório. A manifestação política é livre e advém da liberdade de pensamento e de expressão. Através dessa atuação é que se congrega as forças políticas representativas e por seu intermédio - os meios legais empregados - na busca do poder.
Porém não se trata do poder hegemônico - com disposição para eliminar o dissidente ou adversário. A preponderância deve ser passageira, nunca absoluta e sua alternância é indispensável para se permitir o diferente e a contradição. Quando os meios passam a justificar os fins, regras, valores e respeito a princípios são desprezados, a dissensão se estabelece, em geral provocando rupturas e produzindo seqüelas difíceis de ser recuperadas.
Finda a campanha eleitoral e apurado o seu resultado - eleito o candidato preferido dos eleitores - acordamos nesta segunda-feira, com a certeza que a democracia não feneceu. Caberá a cada um de nós - vencedores, vencidos e indiferentes - recuperar-se do embate, restaurar as forças, representada pela crença nos princípios democráticos e cada um retomar a sua posição - em defesa dos seus direitos e dos valores que aprecia.
Aos vencedores cabe aglutinar seus aliados, buscando de forma legitima estabelecer a maioria no poder legislativo e organizar sua equipe de governo, com vista a implementar seus projetos e viabilizar suas promessas de campanha, segundo suas prioridades administrativas. Formar essa maioria é obrigação exclusiva do vitorioso - desde que se restrinja aos instrumentos oferecidos pela democracia.
Por dever democrático, cabe à oposição reorganizar-se ? no amplo espectro que a define - para reproduzir a vontade de mais de 40% do eleitorado brasileiro. Representar esse segmento com dignidade é o seu papel. A altivez, empenho, seriedade e postura ética hão de nortear o seu caminhar, sem hesitação e com o rigor fiscalizador e respeito a lei que o momento exige.
A oferta de alternativas é também obrigação da oposição. É sua faculdade apresentar correções para as medidas equivocadas que venham a ser oferecidas pela administração - mormente quando voltada para o atraso. Mas sempre será o seu dever repudiar projetos que venham a contrariar o interesse público e, principalmente, a ordem constitucional - principalmente aqueles que preconizam o obscurantismo e indesejado controle social.
A nossa indignação, contrariedade e vergonha pela série de desmandos, falcatruas e crimes - com evidente manipulação do poder - que envolve altos próceres do governo federal ou pessoas próximas da administração, devem servir de combustível para continuidade da luta democrática. O enfrentamento, oposição e resistência são instrumentos legítimos desse jogo - não há que se falar em radicalismo e muito menos cabe a alegação de golpismo quando se age com lisura e transparência.
Haveremos de aprender que oposição se pratica no dia-a-dia e com coesão de forças - sempre que possível voltadas para um mesmo objetivo, que é a retomada do poder - que o quadro atual exibe com nitidez. Por outro lado, desprezaremos comportamentos e ações que afrontam - não só a lei e os valores democráticos, indispensáveis ao convívio numa sociedade livre e que se quer emancipada - a inteligência e a razão do homem comum. Aquele que se conduz nos limites da lei, cumpre suas obrigações e serve de exemplo a seus filhos e à sociedade.
Portanto, a nossa participação há que ser efetiva. Partindo da associação de bairro; da nossa igreja; do sindicado; repartições públicas; locais de trabalho passando pela câmara dos vereadores; assembléias legislativas; até no congresso nacional.
Recentemente, deparamos com exemplos dignos desse engajamento com a ética, moralidade pública e passivos de ser copiados. O deputado Fernando Gabeira ao afrontar o presidente da Câmara dos Deputados - o fez em nome da moralidade e do interesse público. O delegado Bruno, da Polícia Federal, ao tornar públicas as fotografias do dinheiro apreendido em poder de figuras expressivas do partido do Presidente da República - não infringiu norma legal, pois sua ação estava voltada para o interesse público, ainda que o Ministro da Justiça não atenda assim.
Não olvidaremos de questionar e contestar o discurso estridente e, argumentações repetitivas de falsas lideranças - ou de lideres voltados para o seu próprio interesse ou do grupo que os mantêm no poder. O contraditório haverá de ser restabelecido, as discussões existirão e a permanência ou não no poder deverá decorrer do convencimento e nunca pela imposição de vontade, sem a desavergonhada manipulação dos favorecidos e concordância tácita dos indiferentes.
Lembremos que foi na desventura da derrota durante a votação das "diretas-já" que vislumbramos a possibilidade de aglutinarmos as figuras mais representativas na busca de um objetivo comum - redemocratização do país - assim conseguimos convencer aos indiferentes e até mesmo as forças retrogradas. Ainda que por vias reversas (colégio eleitoral, em tese adverso) chegamos a eleição do presidente Tancredo Neves e alcançamos a tão sonhada democracia.
Hoje, a situação é muito mais confortável, vivemos sob a égide do regime democrático, as instituições estão organizadas e funcionam com a liberdade e com garantias reguladas pela constituição da república. As eleições se realizam periodicamente, com obediência às regras estabelecidas, embora obrigatório o direito ao voto é exercido livremente. Os eleitos são diplomados e assumem seus mandatos regularmente, salvo quando alcançados pela lei e pela justiça - única condição para desapeá-los do poder, por obra e graça de ilícito praticado.
Então ! Não há motivo para esmorecimento e muito de desilusão. A derrota faz parte do jogo democrático. A indignidade é nossa ! Os valores e regras vilipendiados são reservas da sociedade - pertencem ao povo brasileiro.
Respeito e dignidade são atributos da cidade. Aos assistidos devemos oferecer bem mais que ajuda financeira temporária. Haveremos de permitir que tenham possibilidade de tornarem-se cidadão livres ? sem as amarras que o governante de ocasião lhes oferecem, a título de auxílio - emancipados para buscarem com o resultado da sua inteligência e do seu trabalho o sustento para sua família.
Por ora, cabe apenas respeitar a sua manifestação de vontade - legítima e válida, porém não suficiente livre - mas haveremos de levar-lhes informações e esclarecimentos suficientes para conhecerem dos seus direitos e garantias, inclusive constitucionais, como forma de alertá-los sobre a atuação de falsos profetas, cuja intenção nem sempre está voltada para o Reino do Céu - suas pregações visam à glória pessoal e o bem estar dos seus.
A complexidade da administração de um país não pode ficar reduzida à distribuição de dinheiro, como projeto de governo - sempre será insuficiente para todos - outras iniciativas administrativas haveriam de produzir melhor resultado, desde que realizadas com competência e definida como solução para o problema da pobreza, nunca como mero paliativo.
Não esqueçamos:- "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos . . ." (Art. 1º, parágrafo único da cf)
Ainda assim, há de ser exercido em conformidade com a lei. Conformidade significa - de acordo com as regras constitucionais. São elas que delimitam a atuação do administrador público. Legalmente, não há como administrar fora do seu eixo - é o mesmo que afrontá-las.
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