terça-feira, 21 de março de 2006

ÁREAS DEGRADADAS

Ainda criança, quando a caminho do Grupo Escolar "Virginia Ramalho" - "Grupinho" - me assustava com o imenso "buracão", produzido pela erosão das águas da chuva e também servidas. A cratera praticamente alcançava a rua Gaspar Ricardo, na altura da rua Brasil (?) - da Padaria Itoda - e apenas os mais audaciosos ousavam se aproximar, já que a recomendação dos pais era no sentido contrário.

Até então, essa erosão produzia a única área degrada da cidade e se iniciava nas terras do senhor Ângelo Christone, comprometendo boa parte da Barra Funda - sempre achei que a denominação do bairro decorria da existência do "buracão". Algumas ruas, como a Pedro de Toledo - proximidades do Armazém do Nelo e do Victório Toloto ; a rua Visconde do Rio Branco - fundos da casa do "Coró", percursor da separação de material reciclável, e diversas construções tiveram suas estruturas comprometidas devido ao solapamento de suas fundações.

O poder público municipal, com o decorrer dos anos e o aumento dos terrenos erodidos foi exibindo falta de capacidade técnica para combater o fenômeno. As críticas e descontentamento popular foram se avolumando - decorrência dos sérios prejuízos patrimoniais - até que o assunto passou a figurar como plano de governo nas campanhas municipais.

Parece-me que coube ao Prefeito "Barbozinha" - dono de considerável área no bairro - solucionar o problema através de construção de galerias para escoamento da água das chuvas e também o despejo das ferrovias. Isso já no final da década de 50, um pouco antes do calçamento da avenida Jacinto Sá e adjacências.

Com o problema solucionado e as áreas recuperadas, ruas e calçadas voltaram a ser transitáveis com segurança, diversas construções residenciais passaram a ser realizadas e até mesmo a Padaria Itoda pode ter sua área industrial expandida e a bela moradia de seus proprietários edificada.

Felizmente, por décadas, a nossa cidade não exibiu outra área tão degrada. Agora, nas minhas passagens por Ourinhos lamento observar e constatar com uma ponta de tristeza que outras áreas, então consideradas de utilidade pública - como a estação ferroviária, moradias dos ferroviários, oficinas e imensos páteos para manobras dos trens - ou de intensa produção industrial como a Sambra, Cargill e Prado Chaves, ou ainda, a minha querida e saudosa avenida Jacinto Sá, cuja história foi tão bem reportada pelo amigo Domingos Perino, encontram-se em estado lamentável de degradação, abandono e/ou vazio justificado apenas pela especulação imobiliária.

A emoção, decorrente da saudade, me faz lembrar da avenida Jacinto Sá como polo comercial, industrial e de serviço. Ali existiam uma dezena de hoteis e pensões que abrigavam pessoas das mais variadas origens. Médicos, bancários, funcionários públicos, professores, operários, mascates e viajantes, ocupavam aqueles estabelecimentos, na condição de pensionistas - tinham o local como suas moradias, ou simples diaristas, que se tornavam assíduos em suas passagens obrigatórias pela cidade.

Aureliano, meu irmão mais velho, reconhecidamente o melhor cérebro da família, ao falar da avenida Jacinto Sá e das pessoas que ali moraram, costuma - com uma propriedade incomum - denominar a nossa rua, como avenida Nações Unidas, já que ali habitavam e exerciam as mais variadas atividades homens e mulheres das mais variadas nacionalidades, com respeito, amizade e harmonia. Tínhamos a família Herzenian, de origem Armênia, com suas belas mulheres. A colônia sirio/libaneza (?) representada pelas famílias Abujanra, de diferentes matizes. Tanaka, Fujii. Maeda, Shinohara. Suzuki, famílias japonesas que se tornaram brasileiros, sim senhor ! Os Migliaris, Ferraris, Moias e Tolotos, italianos de origem, cada um a seu modo, conviviam em verdadeira comunidade. O senhor Manoel de Oliveira, grande amigo do meu pai, Joaquim Luiz da Costa, em cujo imóvel moramos por anos na condição de inquilinos, representavam o nosso querido Portugal. Ainda tinha o senhor Miguel, húngaro de nascimento, morava sozinho e construia brinquedos em madeira, fabricou a minha caixa de engraxate - igual a do Pelé, podem acreditar !

Logicamente, com o passar dos anos os prédios comerciais e residenciais ali existentes desde as primeiras décadas do século passado, tornaram-se obsoletos e foram se degradando. Mas, deparar com a avenida Jacinto Sá e as áreas adjacentes ocupadas com imensos galpões industriais, ou simplesmente exibindo terrenos de grande valor econômico e social, totalmente ociosos ou, simplesmente servindo - como suas vias - de estacionamento para caminhões a serviço de um grupo industrial, causa indignação, para dizer o mínimo. Isso por se tratar de área privilegiada, localizada na primeira rua urbanizada da cidade, a poucos metros do centro bancário e comercial, relegada a simples reserva imobilizada, cujo titular dela dispõe como propriedade privada, sem qualquer intervenção do poder público municipal ou contrariedade das lideranças locais. Constitucionalmente, seria oportuno indagar:- Qual a função social daqueles terrenos ?

Igualmente bem localizadas e passíveis de uma melhor destinação, deparamos com as instalações das ferrovias, páteos de manobras e construções - algumas já ocupadas e muito bem utilizadas - e as áreas dos grandes armazéns. O poder público, em suas diferentes esferas, poderia induzir - com algum incentivo - a iniciativa privada dar destino mais conveniente e de interesse econômico / social para as áreas degradas ou em processo de subutilização em nossa cidade.

Na forma de saudade, procurei reproduzir uma realidade que me intriga. Cabe agora às lideranças municipais voltarem-se para o problema e no espaço que lhes permite a sensibilidade e ousadia encaminhar o assunto para discussão, ficando a solução para mais adiante.

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