quinta-feira, 2 de março de 2006

Cachorro com nome de cachorro

Foi o meu pai - José Cerqueira - tropeiro, açougueiro e contador de /causos/ quem ensinou que cachorro tem que receber nome cachorro. Primeiro, seria preciso ver a cara do bicho. Depois observar seu jeito esua índole. Aí sim, estaríamos aptos a adotar um nome para o animal.

Por certo o meu velho - aliás, como eu - não concordaria em assistir as pessoas colocar em seus bichos - cachorro, papagaio, gato e passarinho nome de gente. E olhe que ele vivia apelidando seus familiares, parentes e, principalmente, fregueses com referências incomuns. Lembro que até mesmo uma árvore da antiga Praça Mello Peixoto não escapou da ironia do velho. Era uma paineira bem velha, de troncogrosso e cascudo, apelida de Da. Maria . . ., certamente pela semelhança.

Para sua atividade profissional - na época - era indispensável possuir, além de uma tropa em boas condições, celas adequadas, laço de três tentos, fabricado com couro de veado, uma plêiade (a rigor seria matilha) de cães valentes, com boa saúde, bem alimentados, fortes osuficiente para cercar e conduzir o gado.

Acredito que meus primeiros passos foram em direção ao "Seguro", cachorro de porte médio, sem raça definida, dócil e de uma tolerância inacreditável, aposentado da "lida", vivia seus últimos dias numa merecida aposentadoria caminhando vagarosamente entre o quintal, casa erua.

Depois vieram outros cachorros : - "Morcego", de cor preta, vira-lata, de pelo liso, com orelhas aparadas, gostava mesmo era de jogar futebol e chupar sorvete "picolé". O menino - dono do animal - quando contrariado ameaçava ir embora para o Paraná levando consigo seu amigo "Morcego".

"Lontra", cadela boxer, de cara um pouco achatada e corpo alongado, foi mãe do "Tanque", outro boxer, de raça mais apurada, de pelo amarelado, sua valentia fazia jus ao nome . Certa feita, ao atravessar a rua para abordar outro cachorro, o fez inadvertidamente batendo contra o pára-choque de um caminhão carregado de toras. Retornou e foi morrer debaixo da mesa da sala, para tristeza do meu irmão Aureliano, seu dono,consolado pelo bom e zeloso motorista do caminhão - amigo da família.

Já crescido e influenciado pelo cinema, leitura da revista Seleções e assimilando algumas expressões na língua inglesa, acabou adotando a expressão "Dog" para dar nome a um cachorro - numa afronta ao gosto de seu pai, leitor da Ùltima Hora e de exemplares da clandestina "Voz Operária". Tratava-se de outro boxer, de bom porte, pelos nas cores preto e branco, que me acompanhava nas entregas de carne e depois trazia a cesta de vime vazia, entre os dentes. Apenas soltava sua presa depoisde premiado com um bom naco de osso.

Ainda criança, conviveu com "Cigana", cadela mestiça, de cor baia, dona do quintal da casa de sua avó Pedrina. Depois conheceu "Cacique", pastor alemão, um dos primeiros exemplares que surgiram na cidade. Pertencia ao "Vico Moraes", mas depois foi adotado pelo tio Paulo, para cuidar do Paulo César, meu primo "Paulinho". Dizem que o fazia com zeloe dedicação integral.

Conheceu, mas nunca manteve maior proximidade, com o fila de nome "Tigre", de porte avantajado, pertencente à Da. Alaíde, dona de uma pensão. Era o terror da avenida Jacinto Sá - rua da sua infância, adolescência e juventude. Coitado do "Morcego" , em brigas homéricas, sempre levava desvantagem. Ainda jovem, "Tigre" foi atropelado e tinha uma das patas dianteira defeituosa. Esse trauma o tornou um cachorroviolento e temido pela vizinhança.

Em decorrência da fartura de comida, outros cachorros freqüentavam sua casa, como se fossem visitas. Certa noite, "Buique", mais um boxer, de cor amarelo, namorado da "Lontra" e pertencente ao Baiano Alfaiate, escalou a janela da cozinha e colocando as duas patas nos ombros do meu irmão Tércio - que depois do jantar conversava distraidamenteprovocando-lhe um tremendo susto.

Adulto, casado e com filhos, foi buscar no livro Incidente em Antares, do gaucho Érico Veríssimo, a expressão "Chimango", para dar nome ao pastor alemão, de bom porte, primeiro cachorro do Noel Jr. Seufilho.

As crianças cresceram e passaram a escolher o nome dos demais animais, levando em conta uma nova realidade social e cultural. Ai então, surgiu "Boommer", de pequeno porte, raça indefinida, morador em casa de madeira, pintada de branco, com o nome em cima da porta. Mesmo criado com todo carinho, resultou num cão feroz e depois de atacar uma empregada foi doado para o nosso leiteiro. Curioso que, em suas rondas noturnas, quando passava pelo novo endereço de "Boommer", o animalpercebia sua aproximação e seguia a viatura policial por longo trecho.

O último, foi "Look" , outro pastor alemão, filho de mãe belga, que levou para casa dentro de uma caixa de papelão como se fosse rama de mandioca. Seus filhos Solano e Gustavo se encarregaram de não deixá-lo chocar durante à noite. Assim, na manhã seguinte - Da. Orminda - ao ver aquele "ursinho" correndo pela casa, dobrou sua resistência e autorizou a permanência do belo animal. Quando mudávamos - decorrência de uma vida profissional nômade - a primeira preocupação com a nova residência, era acomodação digna para "Look". Numa dessas andanças - da cidade de Palmital para Pirassununga, com quatro horas de viagem - o cachorro e o gato
"Xodó" foram sedados pelo veterinário.

Catorze anos depois, morria "Look", nosso último animal!

Mas a história continua, desta vez com Rafael, meu primeiro neto. Recentemente adotou "Pipoca", mistura de fila com labrador, que vive correndo e saltando pelo gramado.

Felizmente, mais um cachorro com nome de cachorro !

Gja., 2005

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