quarta-feira, 22 de março de 2006

AULAS DO PROFESSOR "MINGO"

Antes é preciso lembrar que nossos pais foram amigos, já que ambos atuavam no mesmo ramo de comércio. Recém casados , os dois casais costumavam sair para almoçar, inclusive dando esticadas para cidades vizinhas, como Jacarézinho, Cambará . . .

Por razões decorrentes da vida, as relações se distanciaram. Mesmo assim, em algumas ocasiões deparei com o senhor "Duia" visitando meu pai no açougue e batendo longos papos. Cablocos assumidos, conversavam em tom bastante alto e faziam seus discursos com tal veemência que mais parecia calorosa discussão.

Mais tarde, os filhos mais velhos dos casais acabaram se encontrando no movimento estudantil. Por certo, movidos pela mesma paixão e atuação na política partidária / ideológica - como seus pais, tornaram-se amigos fraternos.

Alguns anos se passaram. Meu pai faleceu e a família transferiu seu domicílio para São Paulo. Fiquei então sabendo que o vereador Domingos Perino Neto, em respeito, reconhecimento e evidente manifestação de amizade havia apresentado projeto na Câmara Municipal de Ourinhos, indicando José Cerqueira, meu pai, para nome de rua na cidade. A todos nós comoveu e o apreço, na forma de gratidão, pela pessoa do professor e historiador ficou ainda mais enraizada em nossa família.

Mais algum tempo decorreu, estava eu no consultório do doutor Cláudio Sanches, querido amigo "Tigum", bom de bola e excelente papo, cirurgião-dentista da família, na cidade de Assis, quando ouvi a seguinte história do seu tempo de Universidade Federal de Curitiba. Com seu jeito peculiar, contou:-

- "Noel, eu tinha um colega de república lá de Ourinhos. Jovem inteligente, cultura acima da média e politizado, que a todos nós encantava por ter participado ativamente da política em sua terra, efervecente nos primeiros anos da década de 60. Certa manhã, "Mingo" com a mesma calma que contava seu engajamento na criação e formação dos primeiros sindicatos de trabalhadores rurais da região, arrumou suas malas e surpreendendo a todos afirmou que estava abandonando a Faculdade de Odontologia e retornava para Ourinhos para fazer o Curso de História. Deixando todos atônitos !"

Outra década se passou e certa feita, por sugestão do Aureliano recebia na cidade de Palmital, o professor Domingos, ainda vereador em Ourinhos e candidato a deputado estadual. Quis lhe prestar uma homenagem, quando o levei até o Sindicato dos Trabalhadores Rurais que ele ajudou a criar e fazer funcionar, inclusive organizando as primeiras greves na Fazenda Boa Vista. Infelizmente, obra dessas ironias que a vida nos prega, as atas e registros da fundação do sindicato haviam sido confiscados pela repressão policial, logo após o golpe de 1964.

Aproveitei a ocasião para mostrar-lhe a cidade e apresentá-lo para pessoas da minha relação. Ocasionalmente, acabei encontrando o belo casal Dra. Maria Luiza e Dr. Horus, ela advogada e presidente da OAB; ele arquiteto, com especialização em urbanismo, na avenida das Flores. A formalidade da apresentação foi logo dispensada, mesmo porque a simplicidade de Domingos e seu jeito retraido não permitiam grande efusividade. Mas no caso, foi logo reconhecido e festejado como o brilhante professor de história que ambos tiveram o privilégio - palavras deles - de ouvir, quando alunos no Ginásio Estadual de Palmital. Em seguida, surgiu Nelson Hidalgo, serventuário da justiça, e outros ex-alunos do "Mingo". O canteiro central daquela avenida foi palco de rara demonstração de carinho para um profissional do ensino, reconhecimento espontâneo da sua importância para formação intelectual daquelas pessoas. Sensibilizado, o professor teve dificuldade de apresentar o candidato a deputado estadual.

Recentemente, o professor aposentado, deu oportunidade ao brilhante historiador. Domingos - com a colaboração do filho - foi buscar nos escaninhos da administração municipal uma preciosidade. Vista áerea da cidade, datada de 1939, exibida em detalhes - num belo trabalho de pesquisa e historiografia - nas páginas da Folha de Ourinhos, localizando a moradia dos primeiros moradores da avenida Jacinto Sá e suas adjacências.

Atualmente, mesmo distante da política e das lides partidárias, "Mingo" ainda dispõe de prestígio suficiente e inata capacidade de aglutinação das pessoas, mesmo com seu jeito acanhado, participa ativamente e sabe influir decididamente no resultado de eleições, sem buscar as benessses do poder e nem sempre encontra o reconhecimento merecido.

Agora, longe das salas de aula e afastado da política, "Mingo" dispensa sua força e inteligência em prol dos índios do Xingu, com os quais frequentemente convive e consegue manter a mesma relação fraterna. Mais uma vez sua iniciativa e disposição a todos nós surpreende e contagia!

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