Os amigos ainda se encontravam
"Ah ...
Fusca!
O papai também tem ..."
(expressão de uma garota anônima, quando abordada por dois ourinhenses !)
Transcorria então a segunda metade da década de 1960 - período crítico da sociedade brasileira - enquanto ocorriam profundas modificações em nossa sociedade, principalmente de natureza política / institucional, jovens se encontravam para falar de uma cidade do interior, em particular da saudade que a todos unia.
Alguns daqueles rapazes haviam se instalado na cidade de São Paulo por opção de vida e/ou busca de formação profissional especializada. Já outros ali estavam por contingência do momento nacional. Haviam de alguma forma participado de atividades política ou simplesmente estudantil e foram obrigados a abandonar a pequena cidade do interior para fugir de eventuais perseguições ou mesmo da repressão policial, então institucionalizada.
O ponto de encontro desse pessoal talvez tenha sido escolhido por outras gerações, mas é certo que o local era glamoroso. O endereço, na época nobre, localizava-se na rua Barão de Itapetininga, cercado lojas finas, alfaiatarias glamourosas, cafés, cinemas, bem defronte da famosa Confeitaria Vienense, precisamente na entrada da Galeria Califórnia.
Por suas calçadas as moças elegantes - em passos lentos - simplesmente desfilavam, enquanto pela rua estreita, figuras da alta sociedade e do meio artístico, exibiam seus carrões, trafegando em baixa velocidade e, geralmente, acompanhadas de mulheres deslumbrantes, que nos deixavam, ao mesmo tempo extasiados e indignados - pura, inveja !
A nossa aglomeração ao lado da entrada da Galeria California era facilitada pela existência de colunas em forma de "V", nada funcionais e de discutível gosto estético, que sustentavam aquela construção ? obra de Niemayer, ainda nos abrigava do frio e garoa paulistana.
Ao fundo encontrava o aconchegante Cine Barão, onde assisti Macunaíma, com Grande Otelo, Paulo José, Diná Sfat e outros atores, em atuações magistrais.
Em meio aos amplos corredores de circulação estava o famoso Café Thaity, onde se tirava um delicioso café-expresso, ainda pouco comum mesmo na capital. O forte aroma exalado pelo legítimo produto brasileiro alcançava outros pontos da galeria.
A nossa rotina nos finais de semana era mais ou menos assim. Início da noite, saíamos da rua 13 de maio - a pé é bom que se diga - subindo a Manoel Dutra, com o ar deslumbrado passávamos pelo TBC - Teatro Brasileiro de Comédia - na rua Major Diogo e chegando na Praça Dom José Gaspar - defronte a Biblioteca Municipal - parávamos obrigatoriamente de fronte ao "Estadão" para ler as últimas notícias exibidas em neon na fachada do prédio.
Lembro que certa feita, essa mesma fachada estava cercada por tapumes, vedando os danos causados por uma bomba ali detonada. Decorrência de um atentado político, que passaram literalmente a espocar por toda capital.
Particularmente eu vivia um momento difícil. Havia perdido recentemente o meu pai. Experimentava uma nova realidade, tentando me adaptar com a vida na cidade grande, com propósito de dar um novo sentido à minha vida. Agora, compartilhando com meus irmãos, a responsabilidade pela manutenção da família.
Nessas andanças, simplesmente acompanhava meu irmão Aureliano e o amigo Jefferson - que ali chegaram em outras circunstâncias - mas já se achavam perfeitamente integrados naquele contexto:- trabalhando, estudando e com planos para organizarem suas vidas e construírem suas carreiras.
Embora não sendo do meio, pois não trabalhava e muito menos estudava - apenas jogava snoocker - fui ter à aquele espaço para conhecer alguns conterrâneos:- os irmãos Alfredo e Joaquim Bessa, filhos de conceituado médico da nossa cidade; Agenor e Euclides Rossignoli, também irmãos, filhos de ferroviário e alunos da "Maria Antônia". Imaginem suas histórias! Os doces turcos Walter e Sérgio Abujanra (filhos do Tufi da antiga Casa Brasil).
Ainda tive a alegria de rever outro amigo, Paulo Flecknner, o "Paulão", companheiro de peladas no campinho da "cadeia velha", na rua Antônio Prado. Outros ali aportavam, mas de forma bissexta, como era o caso do Dirceu Bento da Silva, perdoem os demais cuja identidade perderam-se com o tempo.
Como vinha dizendo: ali nos encontrávamos e conversávamos - ou melhor, eles conversavam e eu apenas ouvia embevecido com a cultura e conhecimento daqueles jovens - em geral falavam sobre política, mas também havia espaço para as últimas noticias do interior e, principalmente, para "fofocas".
Ouvia-se muito falar de saudade. Saudade da família, da namorada ou de amigos, mas em especial das coisas e locais da nossa cidade:- como a Praça Mello Peixoto, Café Paulista, "Chiquinho Jornaleiro", sessões do cinema; enquanto eu apenas lamentava a falta do Salão Azul, do Bar do Yamaguti e do Pedro Danga, por onde eu procurava dar sentido àquela ociosidade inconseqüente.
Daquele ponto partia-se para algum outro programa, em geral ouvindo sugestão dos mais antigos e nem sempre realizado em grupo. Alguns seguiam para tomar um chope no Ferro's Bar, como era a opção de Jefferson - já muito ligado ao teatro - outros iam para o cinema.
Numa dessas ocasiões fui em companhia do Paulo e do Aureliano assistir "Os Companheiros", com Marcelo Mastroanni, no antigo Cine Olido. O filme nos tocou, mas o momento mais emocionante aconteceu no final da sessão, quando a platéia - em pé - aplaudiu por longos minutos a exibição da película. Para quem não se lembra, o enredo era político e o roteiro transcorria sobre a primeira greve de operários italianos.
Aquele foi o meu primeiro contato com a cidade de São Paulo e recorreu em minha lembrança devido a uma recente notícia de jornal, dando conta de pesquisa de uma arquiteta paulista sobre as obras de Oscar Niemayer, realizadas em São Paulo num período - digamos - não muito brilhante da carreira do festejado arquiteto.
Como se tornou comum no meio intelectual, talvez ele quisesse mesmo "esquecê-las".
Acreditem:-A Galeria Califórnia, com suas envergonhadas colunas em formato de "V", também faz parte do acervo do iluminado mestre!
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