quinta-feira, 30 de março de 2006

O PIPOQUEIRO NENÊ PIEDADE

O senhor "Nenê Piedade", com seu sotaque mineiro - falando meio cantado - tio do meu amigo Gerson de Oliveira Piedade, era proprietário de um carrinho de pipoca. Toda noite estacionava na Praça Mello Peixoto, esquina oposta do Bar Paratodos, bem ao lado do garapeiro "Antonio Português" ( ou seria Manoel ? ).

O "seu Nenê". Como era tratado, não era um pipoqueiro comum. Seu carrinho, todo em alumínio, muito bem conservado e mantido impecavelmente limpo. Pessoalmente, o vendedor também se esmerava no asseio. Barbeado e com gorro na cabeça, trazia o guarda-pó branco e muito bem alvejado.

A matéria prima, milho, óleo e sal eram acondicionados em vasilhames guardados em compartimento separado do seu produto final. O sal era oferecido numa vasilha pouco comum. Assemelhava-se a uma coqueteleira de alumínio e com furos assimétricos, permitindo ao gosto do freguês servir-se da quantidade necessária para tornar a pipoca ainda mais saborosa. O óleo para fazer o milho espoucar era de uso comum na cozinha, mas de marcas tradicionais, como "Sanbra" e "Anderson Clayton" extraido do caroço de algodão ou do amendoim, já que o soja ainda não existia como planta nacional.

Os utensílios utilizados igualmente eram da melhor qualidade. A panela usada pelo "seu Nenê" no preparo de sua pipoca, nada devia àquelas vasilhas de alumínio que as donas de casa costumavam exibir orgulhosas em suas cozinhas, pois também brilhava e não apresentava vestígio de óleo queimado no fundo. A tampa da panela, na forma abaulada e com inúmeros furos permitiam a saída de vapor do seu interior, enquanto o milho explodia. Uma manivela permitia mexer o milho com a panela fechada, sem contato manual e evitando o desperdício do produto.

Mas, o capricho maior do "pipoqueiro Nenê" se revelava nos cones de papel - branco, então muito usado em padarias e açougues - para acondicionar a pipoca que vendia. Ele próprio os confeccionava, individualmente, rigorosamente com a mesma dimensão e formato, e os dispunha de tal forma que facilitava o atendimento dos fregueses com rapidez, higiene e presteza.

O pipoqueiro estacionava seu carrinho sempre no mesmo local e com a mesma disposição se dedicava à sua rotina de trabalho. Nos dias de semana atendia os fregueses sem maior atropelo, mas aos sábados, domingos e feridos a demanda aumentava e o "seu Nenê" encontrava dificuldades para "estourar a pipoca" e atender a freguesia, principalmente na saída das sessões corridas do Cine Ourinhos.

Nessas ocasiões, Gerson e eu, fregueses assíduos do bom pipoqueiro, acorríamos para auxiliá-lo - tio Nenê, como ele dizia - a título de colaboração e com a certeza de estarmos praticando uma boa ação. Nem mesmo percebíamos que se tratava de um aprendizado de dedicação ao trabalho honesto e profícuo. Ao final do movimento, como recompensa, cada um recebia, o maior pacote de pipoca disponível.

Descrever situações como essa, é uma forma de reconhecer a importância de uma infância e adolescência simples, tranqüilas e ricas de exemplos e valores para levarmos como reserva pela vida a fora.

Por tudo isso, conviver e aprender com pessoas da qualidade do senhor "Nenê Piedade" e usufruir da amizade de Gerson Piedade, meu bom amigo "Tico", das quais guardo recordações memoráveis e muita saudade, foi - sem dúvida - um privilégio!

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