Antes corria a fama. Parte boa, pela beleza natural que espremia, tanto no sentido de revelar a força das águas do rio Paranapanema como por espremê-lo entre as rochas, obrigando-o escorrer violentamente por um estreito. Aquele trecho foi denominado “Canal do Inferno”, justificado pelo respeito que impunha aos experientes pescadores e o perigo, muitas vezes trágicos, para os banhistas incautos – não haverá família nas redondezas que não tenha uma história triste para contar.
Sabemos que na época não havia preocupação com o meio-ambiente e por isso a construção da Usina Hidrelétrica, iniciativa do então governador Lucas Nogueira Garcez, engenheiro civil, com especialidade em hidráulica, não deve ter gerado polêmica. Pelo contrário, foi motivo de júbilo e esperança para desenvolvimento da região e redenção para Salto Grande, que já vivera dias de maior expressão, sendo inclusive sede de extensa comarca.
Ainda quase um adolescente, apenas acompanhei à distância a inauguração da gigantesca obra. Ainda não existia a facilidade de locomoção dos nossos dias, tampouco as famílias dispunham de recurso e também de interesse para acompanhar eventos dessa natureza – a vida era bem mais simples e nossas limitações eram evidentes, não dava espaço para discussão.
Lembro que na época já trabalhava. Por não me dispor a estudar – bem que meu pai havia sugerido o Curso de Admissão ao Ginásio do Professor Alberto Braz (?) - preferi trabalhar na Torrefação de Café Santo Antônio, na rua Pará, então empresa Sampaio & Suzuki Ltda, tendo como sócios o Sadao Suzuki e Aristides Lao Sampaio. Minha primeira função foi entregar café nos bares e armazéns de secos e molhados da cidade – como 12 ou 13 anos, andava pendurado no estribo de um furgão International - depois ajudava empacotar o café moído. Nos finais de tardes disputávamos renhidos torneios de dama.
A dissolução daquela sociedade merece um comentário a parte, pela idiossincrasia de um dos lados e a feliz intervenção de um terceiro personagem, que deu o mote para definição daquele negócio jurídico.
Nesse trabalho, uma vez por semana, visitávamos a cidade de Salto Grande. Foi assim que acompanhei à distância a construção da barragem e o represamento das águas do rio Paranapanema. Também assisti a remoção dos trilhos da ferrovia das margens do rio e lamentava, por não entender muito bem, o seu novo traçado lancetando e desfigurando a geografia da aplausível cidade – definitivamente dividindo-a – porquanto haviam outras opções.
Acho que também foi naquela época que o jovem e bem sucedido empresário Sadao Suzuki casou-se com Teresa Ioneda, da cidade de Santa Cruz do Rio Pardo, também de família bem sucedida nos negócios. O casamento, não só pela união de lídimos representantes da Colônia Japonesa e eventuais interesses econômicos, irradiava a beleza e felicidade de duas pessoas reconhecidamente simpáticas, educadas e agradáveis – além de ricas e bonitas, permitam-me dizer!.
Era comum, nos finais de semana, eu e o “Toninho”, também empregado na torrefação, freqüentarmos a casa do Sadao – a convite dele, é lógico! - simplesmente para jogar dama. Era uma delícia sentar na cadeia de vime, com almofada, na varanda de uma casa simples – meu pai diria, “um bangalô” - na rua Brasil, em área recuperada do antigo e temido “buracão”. Naquelas tardes, também não faltava o delicioso lanche, servido pela jovem esposa, com toda formalidade, em finíssima bandeja, regado a suco de fruta de sabor inesquecível.
Certa manhã, talvez um feriado qualquer, Sadao e Teresa foram me pegar para conhecer a Usina Hidrelétrica de Salto Grande. Seguimos na camioneta do empresário, que tinha um modo peculiar de dirigir – não mantinha a aceleração constante – permitindo que o veículo alternasse a velocidade, como se enlevasse o passageiro num balanço.
Uma curiosidade, mas adiante, meu tio Paulo, conhecido por suas atividades de decorador e colchoeiro, sabendo da minha afeição pelo casal, comentou que durante sua última internação na Santa Casa de Ourinhos, havia sido atendido por uma competente e dedicada enfermeira – revelando tratar-se de filha do Sadao e da Teresa.
A cidade de Salto Grande vivia período de pujança. E, logo depois de cruzar a Ponte do Rio Novo – que já conhecia de outros tempos, quando ainda corria mais apressado, bem próximo da antiga estação - onde Carlito Cunha, honra e glória da letra salto-grandense, gaba-se de ter atravessado a nado, com alguma sofreguidão é verdade, resultado dos primeiros tempos na capital, ao lado do inseparável amigo “Ferramenta”, ferroviário dos bons.
A grandiosidade da obra, ornada pelas belas residências, construídas em meio a gramados bem cuidados, impressionava e chegou a causar algum temor naquele menino franzino, principalmente quando se aproximou da mureta e recebeu no rosto a nevoa produzida pela violência da água que vertiam pelas comportas, produzindo a energia elétrica tão almejada. Na ocasião asseguravam que Ourinhos e região não sofreriam mais interrupção no fornecimento – tão comum naquele tempo.
Ao passarmos defronte o cinema, acho que na avenida 7 de setembro, ao lado do bar do ponto, pensei divisar o homem desengonçado, por excessivamente alto, de roupa branca, calçando tênis, ali conhecido por “mister”. Comentavam que ele costumava se aproximar da porta do cinema e distribuir entre a molecada, entradas para o matinée. Por certo, tratava-se algum engenheiro ou algum funcionário norte-americano, vinculado à construção da usina, que se utilizava daquele expediente para realizar marketing, como forma de se aproximar e obter a simpatia da população da cidade. Certamente, em nossos dias, aquele comportamento daria ensejo a outra conotação. Mas no caso, tratava-se reconhecidamente de um benemérito.
Recentemente, numa de nossas viagens para Jacarezinho, sugeri um almoço, lembrando a peixe, na cidade de Salto Grande. Era um dia chuvoso. A praia estava deserta. Acompanhando as placas, seguimos até o outro lado do rio, esperando encontrar um restaurante com vista para a represa. Frustrou-me não encontrar mais as belas residencias que, originalmente, abrigaram engenheiros e administradores da usina e depois cedidas em comodato para algum aventureiro – como todos – que não levou o negócio adiante.
Lamentavelmente, não conseguimos nos deliciar com a “peixada” ou simples “fritada” de lambari, mas prometo voltar, talvez a convite de novos amigos, como o Carlito e o Goulart da Sabesp, para participar de seus memoráveis encontros ou apenas rever os conhecidos mais antigos, como é o caso do delegado-aposentado Mario Perry.
E com isso já se passaram 50 anos – meio século de realizações, lembranças e perdas!