Colecionador de Gibis
Recentemente o “Estadão” trouxe reportagem sobre os “comics hunters”, que se traduz nas pessoas que guardam o prazer de preservar as histórias em quadrinhos – algumas fazem desse deleite um meio de vida e outras as mantém como vício, chegando a dispender altas somas para adquirir exemplares raros – evidente que se revelam, aos olhos da família e do observador comum, como indivíduos excêntricos.
Esse registro, como outras matérias recorrentes, remexe com o baú das minhas lembranças de uma infância rica de passagens, hábitos, pessoas e lugares, dando lugar a mais um texto - desses que me permitem reproduzir, nem sempre com a fidelidade devida, situações e personagens - com a liberdade de expressão permitida aos incautos.
A primeira imagem é da fila do matinée, do Cine Ourinhos, nas tardes de domingo. A competição já se inciava antes da abertura das bilheterias – era disputado o primeiro lugar da fila - presumo que ainda existam as mesmas portas de ferro, que corria numa espécie de trilho. Ali aconteciam as vendas e trocas de gibis – do Mandrake, Fantasma, Flash Gordon, Cavalheiro Negro e outros - muitos já com suas capas um tanto rotas, isso pelo leitor ávido da novidade.
Sem dúvidas, essa experiência se traduzia nas primeiras lições da mercancia. Cada um estimava preço da sua mercadoria, sempre procurando obter o melhor resultado – infelizmente, não levei esse aprendizado para a vida real - nunca fiz bons negócios, até hoje não consigo vislumbrar uma boa oportunidade.
Mas esse interesse pelos gibis, certamente contribuiu para desenvolver o prazer pela leitura – adquirido como hábito, uns bons anos depois - e, principalmente conhecer verdadeiros “comics hunters” pessoas admiráveis e que se revelavam em profissionais capacitados, cidadãos respeitados e bons chefes de família, apenas reservavam algum tempo (e dinheiro) além do espaço em suas residências - muitas vezes a revelia ou contragosto da esposa – para cultivarem o hábito da leitura e manutenção de belas coleções de gibis ou revistas em quadrinhos.
Acho que já contei aqui sobre os meus avós maternos, donos de uma colchoaria na rua Paulo Sá, esquina com Euclides da Cunha. Ali trabalharam figuras inesquecíveis - Alípio, penso que se tornou policial rodoviário; “Taquinho”, lateral esquerdo do Operário e o senhor Jaime, cuja história de vida é de uma dignidade exemplar - entre eles um colecionador de gibis.
Suponho que o senhor Jaime havia chegado há pouco na cidade e com sua família foi morar na então longínqua chácara do meu tio Octávio Cristoni, - fundos do cemitério - enquanto trabalhava na Colchoaria Gonçalves – lá nos altos a cidade.
Ainda era bem jovem, com respeitável porte atlético. Isso não o impedia de ser uma pessoa amável, homem de fala mansa, educado e dotado de uma sabedoria incomum - chegava a se estranhar fosse ele colecionador de gibis e seu leitor contumaz – qualidades que o levaram a se tornar respeitado e admirado cidadão ourinhense.
A par de seu trabalho de colchoeiro, logo se integrou ao Esporte Clube Operário, como massagista, dentre as experiências que já que trazia na sua bagagem. Como atleta, tinha o judô como seu esporte preferido. Não demorou a compor o grupo de judocas que se exercitavam sob o o comando do Kodama, então alfaiate na rua Gaspar Ricardo, em locais improvisados, como o armazém da Cia. Prado Chaves – admirava sua habilidade saltando corda para se aquecer - onde o tatame dividia espaço com pilhas de sacarias de cereais.
Voltando ao matinée do Cine Ourinhos, num certo domingo, ao disputar um lugar na fila, acabei discutindo com o “Cachimbo”, outro menino, que se tornou craque no futebol - freqüentador do campo do Operário, desde cedo exibia habilidade incomum, sua jogada predileta era a bicicleta, que executava com perfeição - culminando com uma pretensa “briga” no interior do cinema.
Estava propenso a evitar o meu desafeto, mesmo porque nunca fui “bom de briga” – ao contrário de ocupar as primeira carteiras junto da tela, como era costume – fui me acomodar no balcão. Voluntária ou involuntariamente, o meu oponente teve a mesma idéia. Instigados por amigos comuns, acabamos nos engalfinhando – perigosamente junto ao parapeito. Não chegamos a correr nenhum risco, pois logo o senhor Tufi, bonachão lanterninha, aproximou-se e colocou ambos para fora do cinema – sob ameaça de suspensão – sem mesmo ouvir nossas justificativas. Engraçado que na rua, ao invés de darmos seqüência ao embate, cada um foi para o seu lado, lamentando a perda do seriado do “Flash Gordon”, como episódio a cada domingo.
Quanto ao senhor Jaime, este continuou sendo um exemplo – tenha certeza que em muitos momentos da minha, foi nele que me espelhei - retomou seus estudos em cursos noturnos que surgiam na cidade. Mais adiante prestou concurso para o correio, tornando-se funcionário da agência da cidade. Mesmo à distância, sempre procurei saber do colecionador de gibis. Fiquei sabendo que conclui com brilho a Faculdade de Direito e, pelo que sei, já que não mantivemos mais contato, tornou-se respeitável operador do direito.
Fica a lição sobre o hábito da leitura, ainda que despertado por obras sem valor literário – outras, jocosamente, são denominadas de subliteratura – não deve ser desprezado, pois mais adiante haverá de desenvolver o senso crítico e conduzir a leituras de melhor qualidade e conteúdo significante, ou não!
Um comentário:
me arrepiei ao encontrar tal matéria, hoje com 49 anos me lembro disso tudo, pois tambem troquei muitos gibis ali, fui aluno do Kodama,"Takeshi kodama" meu mestre, embora nunca fui muito bom, bom mesmo era o baiano, o-, Miguel Nelsinho e outros, fiz primário no grupão Jac. Ferr. de Sá, ginasial no IEEHS,la tinha o seu Cristoni, Dna Neide, Olga,terrores dos gazeteiros Prof. Jairo(Ed FísicA), Foca (história)adorava tacar giz e que pontaria , Mario (desenho)meu tio era lanterninha no C Ourinhos e Peduti,na epoca existia só dois gays na cidade, lembro que a mulecada azucrinava demais ambos, o japonez cabeludo e o Pauleti, tempos de moleque, ô saudades dos quebras com a turma na vila odilon e correria da Rp. Saudades muitas saudades de minha terra, e de minha infância que aí ficou .
Valeu, valeu mesmo
Luiz A. Chaves
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