quarta-feira, 16 de maio de 2007

TINTUTARIA - SEMPRE UM BOM PAPO

Muitos hão de discordar, por acharem que eram nas barbearias - hoje cabeleireiros - o local onde se encontrava uma boa conversa e as últimas novidades eram conhecidas, quando a cidade ainda era pequena e as pessoas dispunham tempo para o bom e divertido papo. Realmente, a vida caminhava mais devagar!

Embora não possa discordar totalmente, mesmo porque também freqüentei esse ambiente. Foi no Salão do Xavantes - meu primeiro trabalho, como engraxate - onde aprendi a jogar dominó e ouvi muitas histórias do futebol ourinhense. Ernesto, o barbeiro predileto do meu pai - fazia a sua barba toda semana - era surdo, mas ainda assim permitia uma boa conversa. Foi dele que adquiri a bicicleta da marca Victória, bem conservada e toda enfeitada, mas que deixei sem nenhum apetrecho quando a vendi por ocasião da mudança.

Devo reconhecer que foram das tinturarias que guardo as melhores recordações. O Luiz Tintureiro, na rua Gaspar Ricardo, onde trabalhavam o Juvenil e o "Neguito". Luiz, era japonês diferente, casado e com muitos filhos. Apreciava uma boa cachaça e normalmente era uma pessoa comedida - mas nos domingos de carnaval, enfeitava-se travestido de mulher, inclusive com salto alto e maquiagem, saía a desfilar sozinho pela cidade. A criançada o seguia festejando e recebendo os jatos de lança perfume - refrescante, mas que ardia quando alcançava os olhos.

Ali se conversava de tudo - desde sobre os jogos do campeonato paulista, programas musicais e as últimas "fofocas" do bairro. Também se ouvia "Neguito" querendo demonstrar aptidão para o canto. As vezes ouvia de casa, ele e o Láercio da funerária, tentando imitar Cauby Peixoto, cantando a inesquecível "Conceição".

Outro tintureiro amigo, foi o "Pedrinho", genro do Pedro Danga e cunhado do "Zé do Bar", instalado na rua Antônio Prado - prédio da casa do Pedrotti, Eduardo era nosso goleiro - defronte ao terreno da antiga delegacia de polícia, onde existia espaço para o famoso "Campinho da cadeia-velha", de boas lembranças. Moacir, já quase rapaz, garantia o nosso mando do jogo - se impondo pela força e valentia!

As fotos estampadas na parede do estabelecimento denunciavam que "Pedrinho" era sãopaulino, assim como o "Celsinho Gonçalves", "Nego Maeda" e outros amigos. Era o nosso refúgio para dar as primeiras tragadas em cigarro - garantia de que não seríamos visto fumando. Também ali nos reuníamos para ir nadar no "Perininho" ou simplesmente curtir as tardes ociosas, jogando conversa fora e aguardando a chegada do "dono da bola" para a pelada de todo final de dia.

Ainda existia a tinturaria da família Shinohara , composta de diversos rapazes - todos exímios na profissão - introduziram novos métodos e passaram a utilizar equipamentos mais modernos na arte de passar roupa. Trabalharam por muitos anos na rua Euclides da Cunha ou seria rua do Expedicionário (?). Depois, em prédio próprio, transferiram para a rua Amazonas. Além de bom papo, eram parceiros contumazes no jogo de snoocker, donos de boa tacada e difíceis de serem enfrentados - Massao, o mais velho, sujeito quieto, mas excelente amigo!

A modernidade com suas inovações, acabou por ignorar a existência dessas profissões, tornando-as dispensáveis para os nossos tempos. Poucos ainda sobrevivem, mas tiveram que se adaptar - as lâminas de barbear e seus aparelhos modernos dispensam qualquer habilidade para o barbear, ainda que não escanhoe como a velha e bem afiada navalha Solinger - adotando outro perfil de atendimento. O mesmo aconteceu com os dedicados tintureiros - literalmente, já não passam mais em nossas casas oferecendo o serviço, tampouco temos a entrega no domicílio.

Por isso, descrever locais, falar das pessoas e relembrar situações vividas - pode até se tornar enfadonho para o leitor, nesse caso peço desculpas! - mas faz um bem danado para a alma do ourinhense ausente e tem se tornado lenitivo para uma vida, embora saudável e sem maiores atropelos, repleta de lembranças e saudade da pacata cidade do interior, que se tornou pujante. Hoje, talvez não guarde mais espaço para experiências e situações simples e prosaicas, como essas que compõem esse texto e a nossa história!

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