sexta-feira, 4 de maio de 2007

LEÔNIDAS DA SILVA - 1º DE MAIO E OS JOGOS OPERÁRIOS

A segunda metade da década de 60 caminhava lamuriosa, num lamento sem fim diante das oportunidades perdidas e ainda apreensiva com o suceder dos acontecimentos, quase sem saber onde iriam desaguar.

Para quem não viveu o período ou pouco sabe sobre o ocorrido, sempre vale a pena relembrar. A vida política institucional brasileira viveu momentos extremos. Primeiro elegeu Jânio Quadros, figura popular, como Presidente República com votação consagradora. Meses depois, com perplexidade assistiu a sua renúncia intempestiva. Para a posse do vice-presidente João Goulart, foi preciso aceitar a introdução do parlamentarista, como sistema de governo - já imposição dos conservadores. Mais adiante, o retorno do presidencialismo só fez agravar a crise política e foi desaguar no golpe militar de 1964 - como por inércia, já que não houve resistência.

Foi no rescaldo desses acontecimentos que o jovem ourinhense, recém ingresso na Guarda Civil de São Paulo, tinha a missão de acompanhar as festividades relacionadas com o dia 1º de maio, em núcleos operários na cidade de São Paulo.

A primeira experiência foi no Bairro Tatuapé - final da rua Catumbi - dependências do Vila Zélia, famoso clube esportivo da Zona Leste, existente na antiga Fábrica de Tecido, cercada pelas casas dos operários, já em fase de decadência como as demais fábricas da região. O campo de futebol de terra já estava riscado a cal e com as redes puídas guarnecendo os gols, apenas aguardando o início do Torneio de Futebol Operário - promovido pelo Sesi - em comemoração ao Dia 1º de Maio, envolvendo equipes formadas exclusivamente por trabalhadores das indústrias.

O vestiário existente não era suficiente para abrigar os atletas das várias equipes - então em cada canto, debaixo de uma árvore ou cobertura improvisada - formavam-se os grupos para distribuição das camisetas. Os mesários e árbitros a postos, enquanto os jogadores ansiosos davam início a um bate-bola. onde exibiam suas habilidades de forma a demonstrar estarem prontos para o embate - ainda não se falava em aquecimento muscular - outros preferiam se aproximar do bar, na busca de uma bebida mais fortes que lhes desse a motivação necessária.

O sol da manhã foi incomodando e o Guarda Civil mais antigo - como a demonstrar sua liderança frente ao grupo - quis saber dos organizadores o motivo da demora. Foi informado sobre a cerimônia de abertura, com a presença do "Diamante Negro". Como a desconhecer o personagem esperado, voltou para junto dos colegas falando em homenagem e premiação dos atletas.

Logo depois, o portão do clube abriu permitindo a entrada de um veículo com o logotipo do Sesi. Dele desceu um senhor altivo - um pouco gordo é verdade - trajando impecável terno escuro, do tipo jaquetão, no rosto um óculos a protegê-lo da luminosidade. Caminhava com elegância - passos curtos e picados, ainda como um "boleiro" pisando na ponta do pés - em direção à mesa. No caminho era saudado por atletas e principalmente por populares e respondia com o inefável sorriso, como a identificar o consagrado Leônidas da Silva, o "Diamante Negro", naquela altura da vida comentarista esportivo e dirigente do Sesi.

Cabia-lhe, por seu passado glorioso - sob o auspício do Sesi - contribuir para realização dos "jogos operários". Com sua presença prestigiava e promovia a abertura do evento - sem nunca dispensar o "pontapé inicial". Depois de justificar o atraso, com a mesma habilidade que tinha nos pés, fez uso das palavras para saudar os presentes e conclamar os atletas a uma disputa amistosa - como se isso fosse possível no futebol amador - onde deveria prevalecer a consagração da amizade e solidariedade entre os trabalhadores.

No ano seguinte, agora na Fábrica de Vidros Santa Marina - no bairro da Água Branca - voltei a rever Leônidas da Silva, sempre no seu indefectível jaquetão e óculos escuros, dando o "pontapé inicial" e abrindo novamente os "Jogos Operários do Sesi" - comemorativos ao Dia 1º de Maio.

Ainda que em nossos dias, comemorações como aquelas se revelem prosaicas - diante dos mega-eventos realizados pelas centrais sindicais - a participação espontânea dos operários lhe davam brilho e significado especiais, sem subterfúgios e manipulações políticas tão em voga nos dias de hoje.

Lembranças como essas, por retratarem personagens inesquecíveis e períodos importantes da vida nacional, penso valer a pena reproduzí-las!

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