quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

A ausência de cobradores

A despeito da diferença de tempo e local, permita-me reportar sobre situação semelhante. Corria o ano de 1990, quando o dedicado delegado deixou a acolhedoura cidade de Palmital para assumir a delegacia de polícia do município de Pirassununga - sitiado pela aeronaútica (AFA) e o exército (Regimento de Carros de Combates). Experiência nova na carreira e um turbilhão de problemas a enfrentar. Dentre esses desafios, encontrou nos escaninhos da repartição, expediente - em linguagem burocrática, antigo protocolado para ser despachado - do Sindicato dos Trabalhadores Rodoviários (?) onde pedia providência para coibir o acúmulo de funções dos motoristas dos ônibus. Situação idêntica à vivida, atualmente, pelos profissionais da cidade de Assis. Busquei no antigo Código Nacional de Trânsito e encontrei dispositivo legal que proibia o acúmulo de funções pelo motorista de veículo automotor, em qualquer situação - inclusive, estabelecia sanção para a infração. Cuidadosamente, busquei nas cidades vizinhas - Leme, Rio Claro, Porto Ferreira, São Carlos - com as mesmas peculiaridades, o preço cobrado pela passagem dos ônibus urbanos. Obtive outras informações, como a contra-prestação fornecidas pelas empresas - como o transporte gratuíto para os idosos e desconto para os estudantes - além do fluxo de usuários e frota disponível. Com esses dados em mãos, convoquei a direção da única empresa - que detinha o monopólio do serviço - expondo a existência da irregularidade e buscando uma solução consensual. Atingido em objetivo precípuo - que, é o lucro - o empresário buscou apoio e resistência à medida da autoridade de trânsito, junto ao prefeito municipal, câmara de vereadores, comandos militares e lideranças políticas e comunitárias - apregoando que haveria aumento do preço das passagens. O inesquecível prefeito "Budigô" - caboclo afável, bom administrador e cidadão correto - sempre fumando seu indefectível cigarro de palha, foi o primeiro interceder em favor da empresa. Quedou-se diante dos números - o preço da passagem em Pirassununga, proporcionalmente, era o mais alto da região - e do argumento sobre princípio legal a ser observado, a lei valendo para todos. Também não desprezou o dividendo político decorrente da criação de novos postos de trabalho na cidade. Esgotadas as instâncias, a empresa progressivamente foi reintroduzindo a figura do cobrador em seus ônibus, com as catracas retornando para o lugar convencional. Tempos depois, durante uma rebelião na cadeia pública - motivo de sério entrevero entre o delegado e o juiz da comarca - havia necessidade de transferir uma centena de presos para o recém-inaugurado presídio de Mirandópolis - então longínqüo caminho para o Mato Grosso do Sul. A prefeitura prontificou-se a fornecer o combustível, mas não dispunha de ônibus. Sob sua responsabilidade pessoal - e, intransferível - o delegado contatou a mesma empresa para realizar o transporte dos presos. Em meio a reunião - nada amigável - entre o delegado, juiz., promotor e prefeito, surge o então arredio empresário. Com seu jeito reservado, mas solícito, prontificou-se a fornecer o seu melhor veículo, com dois motoristas e, quando indagado sobre o preço a ser cobrado - em meio ao seleto público -comentou que o fazia por gratidão à autoridade de trânsito, já que ao obrigá-lo a readmitir os cobradores, na realidade acabou contribuindo para melhorar o rendimento da sua empresa. Adiantou que foi evidente a diminuição dos custos de manutenção dos veículos - principalmente, com as substituições de platôs, embreagens e afins, através dos quais o motorista mantinha o coletivo parado, enquanto fazia a cobrança das passagens. Se verdade ou não, cabe à história esclarecer - mas serve como subsídio para discussão do assunto !

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