quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Urias Rocha - Um homem a seu feitio

A sua figura impunha respeito. Um homem de postura altiva, tez amorenada, contrastando com seu bigode e cabelos grisalhos - sempre fumando uma cigarrilha ou seria piteira? - trajando sua costumeira túnica de brim, bem antes do Jânio Quadro adotá-la como traje na Presidência da República.

Levava a sério sua profissão de pintor, com alta competência e especialização. A qualidade do seu trabalho, que desenvolvia na companhia de seus filhos, "Solim" e outros - a prole era numerosa - além de auxiliares contratados, o levava a se envolver grandes empreendimentos, como a pintura do Edifício Bradesco - recém construído.

A família Rocha morava em uma casa de madeira, na rua Pedro de Toledo, que se destacava não só pelas dimensões e extensão do terreno que ocupava, mas principalmente pelo esmero da pintura a óleo, demonstração inequívoca da capacidade profissional das pessoas que nela habitavam. Se não me engano, apenas o filho "Juca" era mecânico - torneiro da Retífica do Koga.

O comportamento do senhor Urias sempre pareceu metódico, sem dispensar curiosa excentricidade. Mesmo madrugando para trabalhar no açougue, nunca notei a sua passagem para o trabalho - como frisei, sempre realizando serviços expressivos em casas elegantes e prédios da cidade - mas, antes do cair da tarde, surgia o "Velho Marinheiro", como um dos personagens surgidos dos romances de Jorge Amado, com a fala mansa e a simpatia lembrando Dorival Caymmi - com seu andar elegante e sempre pressa, aportava no Bar do Fagá para o indispensável deleite.

Jogava bocha a ponto - era um bom ponteiro - mas destacava no jogo de "truco" onde revelava toda sua verve e criatividade. Ainda guardo expressões que lhe eram peculiares:- "sapicuá de lazarento", "mamica de porca velha", "cavalo comedor, cabresto curto" e outras impublicáveis. Quando surpreendia um adversário blefando - o advertia:- "se te surpreendo estais brincando, mas se corro da trucada, estarás me roubando".

A sua fala era calma e pausada, enfatizando um ar de sabedoria - efetivamente a tinha - destilando conceitos e comentários que deixavam seus adversários desconcertados. Enquanto o garoto que a tudo assistia, como que hipnotizado pelo encantamento irradiado pela expressiva figura humana - fixava-se em cada gesto ou palavra.

Ao lado daquele homem brincalhão, o senhor Urias revelava-se um cidadão respeitado - não só na profissão - no âmbito familiar detinha total controle sobre seus filhos, ainda que numerosos os mantinha sob suas vistas e seu exemplo de vida, retidão nos negócios e de caráter, certamente foram qualidades irradiadas para seus descendentes.

Ainda assim, consta que contrariado ou afrontado na sua profissão, perdia aquela doçura e sua elegância se transformava em valentia difícil de ser controlada. Houve ocasião para demonstrar sua capacidade de indignar-se - evidente que seus desafetos não a esqueceram.

Era manifesta sua paixão pelo esporte e seus filhos - traziam, sem exceção, no nome o sufixo indistinguível da origem germânica apreciada pelo pai - não o frustaram, os rapazes eram bons de bola. Desde o campinho do cemitério velho, com o Laércio, filho do carroceiro, Toni, do senhor Júlio Poteiro e outros, até integrarem os grandes times do Esporte Clube Operário exibiram classe e a garra própria dos moradores da Barra Funda. Não tenho notícia se algum deles jogou pelo Ourinhense.

Enfim, o senhor Urias Rocha tornou-se uma daquelas figuras - quase irreal - que povoou por décadas o imaginário do ourinhense ausente e acabou se tornando personagem de suas recordações - agora reproduzidas na forma de homenagem !

Um comentário:

Urias Rocha disse...

Obrigado pela homenagem!!

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