quinta-feira, 19 de abril de 2007

SEBASTIÃO FARIA, MEU TIO

Assistir a passagem da Escola de Samba do "Cabo Joel" - acho que foi a primeira escola de samba organizada na cidade - e vê-lo integrando a ala da bateria, tocando cuíca, foi apenas uma das lembranças do marceneiro de profissão, boêmio por opção, bom papo, sempre rodeado de amigos e que soube viver o seu tempo de um jeito meio irresponsável.

Nosso parentesco, mesmo por afinidade, já que foi casado com a tia Noêmia, irmã da minha mãe, guardou uma relação de camaradagem, como devem ser as relações de tio e sobrinho. Aliás, fui pródigo nesse sentido - o tio Paulo, colchoeiro, decorador e parceiro de snoocker, foi outra relação inesquecível.

No seio da família, o pessoal contrário ao casamento, ainda hoje comentam que depois da cerimônia, "Bastião" tomou a noiva nos braços e a levou para sua casa - misto de moradia e oficina de marcenaria. Jogou o colchão sobre a bancada de marceneiro, eleita como a cama do casal.

Embora resignada e submissa, tia Noêmia não suportou as agruras de um casamento mal sucedido. Sebastião, como prometera - é bom que se diga - insistia em manter a mesma opção de vida de solteiro. Mesmo com duas filhas - Darci e Shirley - ainda bem crianças, tia Noêmia resolveu tomar a sua vida nas mãos e levou consigo as duas meninas. Buscou a cidade grande, onde trabalhou em casas de família e hotéis. Mesmo sozinha, criou as filhas e fez delas duas belas mulheres.

Enquanto isso, o tio Sebastião continuava a sua rotina de vida. Algum trabalho na marcenaria, que aliava às pescarias com os amigos e as noites nos bares da vida. Foi aí que viemos a nos encontrar com freqüência. O velho boêmio já não mantinha a vitalidade de antes, mesmo assim, cultivava o hábito do bom papo, sempre regado a um "traçado" ou "rabo de galo", nome mais popular da pinga com alguma mistura amarga.

É certo que não bebia, mas já cultivava o prazer de jogar snoocker - outros diziam que era vício, recentemente foi consagrado como esporte - e, como adiantei, passou a ser freqüente ter o Tio "Bastião" como assistente. Quando as coisas corriam bem, fazia questão de mandar servi-lo, como se fosse o meu talismã.

Os anos se passaram e nos distanciamos, mas quando do meu casamento, eu e a Orminda fomos levar o nosso convite. Como se o tempo não houvesse passado, fomos encontrá-lo junto da bancada de marceneiro praticando o seu ofício. Tomou o convite nas mãos e antes de abri-lo colocou sobre a mesa, para então indagar da noiva - como se a prevenisse de algum mal - você tem idéia do que a vida lhe reserva mais adiante?

Certamente, ainda tinha na sua mente a imagem daquele jovem imaturo, sem projeto de vida, que costumava encontrar nas noites ourinhenses. Evidente que lhe recorria a possibilidade de um casamento fracassado - como o seu. Orminda, com sua franqueza costumeira e demonstrando confiança em si mesma, admitiu que sabia do risco que corria, mas que resolvera assumi-lo. Logo acabou conquistando a simpatia do velho, mesmo porque tratava-se da filha da Teresa Padilha, vizinha e amiga da tia Noêmia - dos tempos do seu namoro.

Mais adiante, em nossas passagens por Ourinhos, não perdíamos a chance de visitar o tio Sebastião Faria, já muito doente e sem possibilidade de se locomover - quem dera exercer a sua profissão. Fiz questão que meus filhos o conhecessem e guardassem dele um exemplo diferente de levar a vida.

Num desses contatos, com alguma dificuldade de se expressar, relembrou nossos encontros e acabou revelando:-

- Eu tinha muito cuidado, por isso eu ficava vigilante assistindo você jogar snoocker até altas horas da madrugada.

Nada mais normal, enfim, era o meu tio!

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