quarta-feira, 4 de abril de 2007

O jardim da Dona Rosa

A família, nas duas vertentes, exibia com orgulho a sua origem italiana. Galileu, tinha no senhor Aristides representante da boa arte de costurar - a ampla sala de sua residência dava lugar ao atelier de alfaiate - envolvendo nessa atividade outros membros do clã.. Enquanto, dona Rosa tinha na família Toloto a sua origem. Trazia nas mãos e na alma a boa relação com o cultivo da terra - depois seus irmãos, tomaram gosto pelo comércio.

O imóvel dos Galileu ocupava área da avenida Jacinto Sá esquina com a rua Goiás (depois, Narciso Migliari). A casa imponente, em construção de madeira, com suas janelas altas e portas dobradas, dividia o terreno. Aos fundos havia espaço para a cocheira de um belo cavalo - volte-e-meia enfeitava a charrete da família, despertando a curiosidade - e a frente era reservada para o belo jardim da dona Rosa, enfeitando a nossa rua.

O muro existente, com seus vãos varados por caibros, permitia aos transeuntes acompanhar a sucessão das estações do ano, em meio ao florescer das plantas cultivadas com esmero e apreciar o desvelo de dona Rosa, em sua rotina de bem cuidar dos canteiros, renovando-os periodicamente.

A casa dos Galileu, assim como, a fábrica de bebida vizinha e a indústria do outro lado rua, possuíam água abundante graças à excelência dos poços que dispunham - não só pela qualidade da água, como também pela sua abundância. E com isso dona Rosa não tinha dificuldade para regar suas plantas, mesmo com a precariedade da distribuição de água pela prefeitura.

Lembro que na época, parte da avenida Jacinto Sá dispunha de água encanada apenas durante a madrugada. As famílias - em casa era assim - dispunham de tambores e durante as noites eram cheios para atender a demanda diária. Anos depois, como por acaso, acabaram descobrindo que quando da extensão da rede, involuntariamente deixaram cair na tubulação algumas pedras britadas - dessas mantidas junto aos trilhos da ferrovia - que reduziam em muito a vazão do cano-mestre. Resolvido o problema, a alegria foi geral !

Voltando à família Galileu, além de dona Rosa e o senhor Aristides, com seus inúmeros filhos e filhas, na mesma casa ainda vivia o patriarca Adolfo Galileu - figura inesquecível, não só por sua relação com as crianças, como pelas qualidades de artesão e músico. Além do ofício que transferiu ao filho, também ostentava conhecimentos de música. Penso que era o organista oficial da igreja matriz - atuava durante os ofícios religiosos. Em outros horários ministrava aulas de piano para os meninos e meninas, iniciando-os no mundo da música. Quando não, exibia disposição para alinhavar os coletes e paletós da freguesia da alfaiataria.

Evidente que a cidade ainda não exibia a pujança atual e, salvo algumas quitandas da rua Paraná, não havia comércio de flores. Nas ocasiões especiais - finados, casamentos e formaturas - era no jardim da dona Rosa que as pessoas encontravam flores para ornamentar suas festas e homenagear os seus mortos. Durante o dia a diversidade coloria aquele espaço e as nossas vidas, durante a noite o perfume do jasmim envolvia a nossa passagem e alimentava os nossos sonhos.

O senhor Aristides demonstrava ser um homem de hábitos rígidos - exibia uma vida quase espartana - não me lembro de tê-lo visto freqüentando bar ou estabelecimento congênere e, tampouco, emitindo juízo de valor sobre alguém ou referindo-se a alguma atividade humana. Como toda sua família, fazia questão de exteriorizar sua religiosidade e revelava ser detentor de boa cultura - o nome dos filhos Adelquis e Demócrito sugeriam bom nível de conhecimento - e pessoa de bom gosto, não só pela qualidade do seu trabalho como por sua forma de ser.

Quanto ao músico Adolfo Galileu, sempre trajando ternos de brim e sem abandonar a gravata, exibia bom gosto no trajar. O peso da idade já o obrigava a caminhar curvado - trazia as mãos às costas, como a compensar o desconforto - mas nunca resistia à provocação de um grupo de crianças. Parava para ensinar-lhes uma brincadeira infantil, certamente trazida da sua terra - envolvia dois contendores e consistia em um deles dispor as mãos espalmadas para cima e o outro sobrepor as mãos em condição oposta. Dali surgia o confronto, onde o primeiro tentava alcançar com tapa o dorso da mão do segundo, quando errava as posições se invertiam. Mesmo já bem idoso, o senhor Adolfo era imbatível nessa brincadeira.

Particularmente, em minha memória - do jardim da dona Rosa - ficaram as imagens dos copos de leite e das margaridas, essas sorrateiramente subtraídas para o indispensável jogo do "bem-me-quer, mal-me-quer", através da inevitável remoção de suas pétalas, acompanhado do acalanto do amor juvenil sonhado e nem sempre correspondido!

Um comentário:

Anônimo disse...

Ourinhos,19 de Abril de 2007

Ilma. Sra.
Edite Farah
Diretora Responsável
Jornal FOLHA DE OURINHOS

Prezada Diretora


É com muita gratidão que nos dirigimos a este conceituado Jornal para demonstrar a nossa alegria em vermos tão bem retratado o casarão onde vivemos a nossa infância e juventude no texto " O Jardim Da Dona Rosa ", publicado na coluna " Reminiscências " na página 8 da edição nº 2469 de 15/04 2007,distribuída no último domingo.

Nós todas, filhas da Dona Rosa Toloto e do Sr. Aristides Andolpho, ficamos comovidas com os detalhes revelados pela memória do articulista, Sr. Noel Gonçalves Cerqueira. Por isso queremos parabenizá-lo e agradecer pela lembrança, assim como ao Jornal Folha De Ourinhos pela publicação da coluna.

Temos certeza que Dona Rosa, "Seu" Aristides, o "nono" Galileo e os nossos irmãos Armando, Adelqui e Demócrito estariam muito felizes se ainda aqui estivessem conosco. Que Deus os tenha.

Muito obrigado.


Assin.: Celina, Irma, Domitila e Marilda, filhas de Dona Rosa e do "Seu" Aristides

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