Foquismo, às avessas (versão 2)
Congratulo-me com o senhor José Antônio de Godoy, presidente da Associação Comercial e Industrial de Piracicaba, pelo oportuno texto, publicado no Jornal de Piracicaba, onde sugere mudanças na Administração Pública - ainda que venha por partes - mas que se realize na sua inteireza.
E, aproveito o ensejo, para enfatizar - destacando que essa inovação, portanto, também pode ser aplicada em áreas específicas de intervenção do poder público - sua adoção na realização de políticas e projetos voltados para melhoria da Segurança Pública, mesmo porque tem se revelado impraticável atacar esse problema social em todas as frentes que se apresenta.
Ainda trago bem nítidas determinadas passagens no curso da carreira policial, quando deparei com pequenos municípios, onde existiam bairros, vilas ou núcleos residência, geralmente em fase de implantação - organizadas ou não - que insistiam em produzir fatos geradores de intranqüilidade pública. Aqueles meios sociais, chegavam a se revelar pequenos nichos, agrupamentos de pessoas voltadas para a ociosidade e prática de ilícitos, ainda que representados por pequenos furtos, algum dano ao patrimônio público (quebra de lâmpadas da rua) e desordens em geral.
A polícia de então, realmente não contava com efetivo expressivo, muitas cidades nem de delegado de polícia efetivo dispunham, tampouco existiam viaturas policiais com a abundância atual. Em geral, essas lacunas, eram preenchidas pela colaboração de cidadãos, de conduta ilibada e dispostos a o ocupar o cargo de delegado de polícia, na forma de suplência, ou simplesmente exercer a função de inspetor de quarteirão - sempre na condição de guardião da lei e da ordem - um múnus público que exerciam graças a alguma ascendência que mantinham sobre o demais membros do bairro.
Constatei, por isso acredito, que com o desenvolvimento desses aglomerados, através da sua ocupação urbana - construções de novas moradias e algumas intervenções do poder público, com a melhoria de suas vias, extensão da rede elétrica e de água encanada, instalações de outros equipamentos urbanos - e, principalmente, a adesão da maioria dos seus moradores às regras de ordem pública, os malfeitores dali se afastavam, como se não mais encontrassem meio de sobrevivência naquele espaço, por imperativo da lei e da ordem.
Mais adiante, quando passei a atuar em municípios de maior expressão, o problema realmente se apresentou de forma mais complexa e sua resolução se tornava cada vez mais difícil - apenas se conseguia obter algum dividendo graças a constantes ações preventivas e os feitos repressivos, como prisões, tornavam-se mais esporádicos.
Certa feita, designado para substituir um colega em férias, como titular da organizada cidade de Araras, defrontei-me com essa nova realidade. Após o primeiro final de semana, deparei com um número expressivo de ocorrências policiais, a maioria de autoria desconhecida. Realmente preocupado com aquele quadro e apreensivo com sua repercussão no seio daquela comunidade, logo quis entender o que se passava, com vista a adotar medidas que arrefecessem aqueles índices.
Ao saber da minha aflição, o titular, colega mais experiente, voltou-se e aconselhou para que não me apoquentasse, pois em cidades com população superior a 100 mil habitantes, não cabia mais à polícia estabelecer controle social, sendo as regras de conduta ditadas pelo comportamento dos próprios moradores - no que isso possa ser entendido!
Retornando à sugestão oferecida pelo articulista, caberia então ao poder público agir na forma do "foquismo" - tão em moda nos movimentos guerrilheiros, então liderados por "Che" Guevara - às avessas, agora em prol da paz, da ordem e da tranqüilidade social.
Determinada área, considerada crítica, seria eleita para essa intervenção. Caberia a um grupo percursor - no caso, a sempre lembrada inteligência policial - se infiltrar na comunidade, com vistas a obter informações sobre suas "lideranças-negativas", pontos críticos no aspecto criminal, práticas de exploração fundiária, além de outras demandas sociais, como a carência de saneamento básico, saúde, educação, lazer e outras.
Detectados os problemas e suas circunstâncias, o assunto passaria a ser objeto de estudo de um grupo multidisciplinar - para delimitar as áreas de atuação e encontrar meios de suprir as necessidades sociais daquela comunidade - responsável para estabelecer formas e meios de intervir de cada setor da administração pública.
Recomendável, na medida do possível, o contato com eventuais lideranças-positivas - tanto no aspecto social, religioso, educacional, comercial e desportivo - no sentido de obter alguma adesão e recolher sugestões e a colaboração, por indispensáveis para o sucesso de qualquer empreitada dessa natureza.
Em dia e hora adredemente programados, caberia inicialmente à polícia - em concurso com todos os seus segmentos, incluindo órgãos de proteção à criança e ao adolescente - deflagrar a intervenção. Respaldado em ordens judiciais, no primeiro momento, atuando repressivamente, realizariam buscas domiciliares e prenderiam criminosos e infratores contumazes, como medida saneadora e estratégia para minar qualquer tipo de resistência, buscando tornar o ambiente propício para atuação de outras especialidades.
Restabelecida a ordem e o controle social, o caminho estaria aberto para as demais equipes intervirem:-
- saneamento, através de coleta de lixo por exemplo, melhoria das vias, iluminação pública, regularizar fornecimento de água tratada e coleta de esgoto, eliminando focos de doenças;
- saúde, com o concurso de médicos, enfermeiras e técnicos, atendendo pessoas com problema de saúde, verificando e atualizando cadernetas de vacinação, com especial atenção para as crianças, pessoas idosas e gestantes;
- assistência social, procedendo levantamento dos problemas familiares, detectando violência doméstica, falta de alimentação, passando pela obtenção de documentos, idosos desamparados, e outras atividades afins;
-educação, verificando instalações e carências, como forma de organizar ou reorganizar o sistema escolar, implantando cursos profissionalizantes e extra-curriculares, como a alfabetização de adultos;
-lazer, educadores e monitores, poderão desenvolver atividades esportivas e recreativas, como meio de ocupar o tempo ocioso das crianças e jovens, despertando valores sociais e a importância de agirem como coletividade.
Enfim, não haveria limites para atuação do poder público, mas obrigatoriamente organizada e que se mantenha contínua, sob pena de se revelar apenas em um "soluço" de cidadania e permite que a situação retorne ao status quo ante, perdendo todos - principalmente, a lei e a ordem, como regras indispensáveis para o convívio social harmônico e produtivo - sem a proteção e vigilância do Poder Público, através da Polícia e da Justiça!
Ainda assim, surgirão sociólogos, psicólogos, antropólogos e outros grupos de estudos, sempre interessados na resolução das aflições humanas, oferecendo propostas mais elaboradas sobre o assunto - felizmente, mais recentemente, as questões relacionadas com a Segurança Pública se tornaram alvo de sofisticadas teses acadêmicas!
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