O segurança orinhense
Embora houvesse alguma preocupação com a segurança - o furto de galinha e de outros animais era comum - ainda não existia essa fobia por nos manter a salvo da ação de marginais. Tampouco existiam empresas de segurança ou agentes do poder público dispostos a emprestar suas horas de folga e experiência profissional para garantir a segurança patrimonial e pessoal do cidadão, da sua família e da sua empresa.
Eram poucas as empresas que mantinham um vigia noturno zelando por suas instalações. Além da reduzida força policial, a cidade contava apenas com alguns vigias noturnos autônomos. Penso que o voluntário se propunha a manter vigilância sobre determinadas ruas mediante mensalidade paga, também voluntariamente, pelos moradores da área. O apito estridente soando pelas noites ourinhense dava conta da presença do guarda noturno.
Por ocasião de eventos, em geral esportivos, sempre havia uma pessoa de confiança da diretoria ou organizador cuidando para que não houvesse “penetras”. A maioria eram moleques que se dispunham a “vazar” através das cercas e muros que vedavam precariamente os estádios do Operário e do Ourinhense. Nessas ocasiões já aparecia o guarda noturno fazendo “bico” durante o dia, com sua farda caqui, ou se contratava um “saqueiro”, homens fortes que faziam o transbordo de mercadorias dos caminhões para os vagões da ferrovia – impunham respeito, aliás como ocorre agora com os seguranças das casas noturnas..
No campo do Ourinhense, durante os jogos de domingo à tarde, quem se atrevesse a “vazar”, inevitavelmente ia deparar com o temido “Pescocinho”. Negro forte, desses atarracados sem muita altura, além dos braços musculosos, ainda carregava um cajado para dissuadir os incautos. Segundo a lenda, seu apelido decorria do pescoço curto e a cabeça pendida para um dos lados, por causa de um acidente de trabalho – ao amparar um saco de cereal de 60 quilos (pico de trinta*) os braços fraquejaram e sentiu-se na obrigação de sustentar a carga na cabeça - manteve o orgulho de não deixar a mercadoria cair, mas acabou sofrendo as conseqüências do ato impensado. Ainda assim, recuperada suas forças, voltou a carregar sacaria nos armazéns então existente ao lado da passagem de nível da rua do Expedicionário / Duque de Caxias. No dia-a-dia era uma pessoa dócil, bem humorada e chefe de família exemplar.
Ao lado de “Pescocinho”, existiram outros saqueiros, personalidades curiosas pela simplicidade ou excentricidade que apresentavam. Ainda no Campo do Ourinhense, como torcedor assíduo, sempre aparecia o “Conde”. Exibia uma disposição incomum. Movido a alguns aperitivos, costumava postar-se no último degrau da arquibancada, em geral vazio por estar próximo do alambrado, e correndo de um lado para o outro mostrava todo seu entusiasmo e aos gritos incentivava o seu time do coração. Anos depois fui encontrá-lo em São Paulo – zelava por uma residência vizinha à casa do meu irmão Aureliano, no bairro do Pacaembu – ainda forte e bem humorado.
Outra figura inesquecível – merece capítulo a parte - foi “Paulão Mentiroso”. Indivíduo alto, de corpo esguio, fala cantada lembrando o caboclo mineiro, com as pernas longas andava sempre apressado. Quando indagado sobre o motivo da pressa, sem hesitar, fazia jus ao apelido respondendo com o ar compenetrado:- “ estou atrás do meu passarinho que fugiu com a gaiola e tudo “. Quando não, falava das suas pescarias:- “numa delas o peixe era tão grande e precisou empregar força que formou uma curva no rio, em outra falava que apenas a fotografia do peixe pesou dois quilos”.
Como registro, merece ser lembrado que os “saqueiros” formavam uma categoria organizada, inclusive possuíam uma sede na avenida Jacinto Sá, ao lado do Bar do senhor Ferreira, próximo da rua Maranhão. Certa noite, levado pela curiosidade da aglomeração no local, deparei com o jovem professor Franco Montoro, exibindo um farto bigode preto, então candidato a deputado estadual pelo PDC, discursando para os atentos trabalhadores – certamente foi eleito e tornou-se a consagrada expressão política nacional.
Sob o efeito da evolução da sociedade brasileira e sua modernização, dentre outras profissões – chapeleiro, alfaiate, tintureiro ... - os “saqueiros” também assistiram sua atividade esvaziar-se. No seu caso foram substituídos pela esteira mecânica, carregadeiras elétricas e transporte a granel, restando apenas a lembrança e saudade dos seus personagens !
* “pico de 30” - tamanho da pilha de sacos de café, milho, feijão ou arroz, formando 30 camadas, alcançava 15 a 20 metros de altura.
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