HABEMUS MILÍCIAS
Já vai longe o tempo em que a imprensa se referia às corporações policiais uniformizadas, como sendo nossas milícias. Por extensão, seus integrantes eram os respeitados milicianos.
Com o advento do famigerado "bico", a atividade policial se transformou em uma atividade menor - quase secundária. Em alguns Estados da Federação, como aconteceu no Rio de Janeiro, por mais surreal que possa parecer, até mesmo norma legal foi editada pelo Governo Estadual normatizando essa atividade paralela e, ao mesmo tempo ilegal por afrontar a Lei Orgânica da Polícia - como é o caso do Estado de São Paulo - Lei Complementar nº 207/79, com as alterações posteriores.
Essa permissividade acabou desaguando na formação de grupos - semelhantes aos paramilitares, em relação aos movimentos revolucionários - à margem da lei, que a população viu substituir as quadrilhas, depois a imprensa e os governos passaram a admitir admitir existir e os denominaram "milícias". Esse tratamento em nada lembra as nossas milícias de então, por serem compostas de marginais, travestidos de policiais que passaram a se utilizar desses ajuntamentos para a pratica de crimes das mais variadas espécies - impondo um controle social pela coação e medo.
É lamentável registrar que, a princípio os policiais - em geral obedientes, resignados e dedicados - viram seus vencimentos minguando e sentiram-se desprezados tanto pelos governantes, como também pelas comunidades, como se exercessem uma atividade inferior e sem relevância alguma para a paz social. As condições de trabalho sempre ficarem aquém das necessidades e a improvisação sempre marcou a atividade policial.
Por experiência própria, lembro das dificuldades enfrentadas por um policial quando chegava à uma nova sede de exercício (cidade) - de toda ordem. Ao alugar um imóvel para alojar a sua família muitas vezes era preterido - inclusive o delegado ou graduado fardado - o crédito então, sempre lhe era dificultado. Muitas vezes, até mesmo as vagas em escolas para seus filhos era difícil obter.
Havia que se provar no decorrer dos dias a sua disposição para integrar-se àquela comunidade - como cidadão e contribuinte - e demonstrar no dia-a-dia que veio para trabalhar em prol do seu bem estar, pronto para servi-la e agir corretamente. Nunca foi fácil angariar a confiança e obter o reconhecimento - quando conseguido, sempre gratificante.
Mas não saberia dizer se foram essas dificuldades que colocaram os policiais a se organizarem em grupos. Primeiro, para conviver como pessoas gregárias e não se impor ao isolamento - geralmente com hábitos em comum, além da profissão acabavam compondo uma comunidade. Depois, foram se organizando no sentido de prestarem serviços na segurança particular - como se fosse uma extensão do serviço público.
Lembro que os clubes recreativos e grandes empresas foram os primeiros a se socorrer dessa mão-de-obra especializada e barata. Em alguns casos, mesmo aqueles profissionais mais responsáveis, foram obrigados a sucumbir a algumas exigências do contratante - por exemplo, não encaminhar à delegacia os casos de menor relevância - renunciando assim aos seus deveres do ofício e perdendo com isso a abnegação e obediência à lei.
Não há como deixar de reconhecer - se, por um lado o policial, passou a obter um complemento salarial, permitindo melhorar seu perfil econômico-social - por outro, o tornou refém da atividade paralela. Aquele sonho de buscar a ascensão galgando os postos na hierarquia da sua corporação, através do estudo e esforço pessoal, praticamente foi esquecido e desprezado como inexeqüível, por incompatível com a nova realidade - o ganho extra atendia as suas necessidades.
Por essas razões e outras - principalmente, a baixa remuneração e ausência de valorização profissional - levaram a atividade policial, como vocação e projeto de vida, se apequenar como profissão. Passou a ser adotada como meio de se obter, muitas vezes na ilegalidade, uma outra atividade rentável na área da prestação de serviço - segurança privada.
Sendo assim, a transformação desses grupos - inclusive constituídos através de pequenas empresas - em "milícias" destinadas a concorrer com o crime organizado ou dele fazer parte, prestando-lhe serviços, vai acontecendo com indesejável freqüência, ainda que sob o manto de inofensivo "bico".
Por incrível que possa parecer, os candidatos que se inscrevem atualmente nos concursos para cargos policiais, muitas vezes o fazem não mais abraçar uma profissão estável e com garantia estatutária - até mesmo a ascensão social não é mais levada em conta.
Muitos, buscam exclusivamente habilitar-se para prestar serviço - concorrendo com os agentes das empresas de segurança privada - oferecendo melhor qualificação profissional, garantia legal do porte de arma de fogo e, ainda, poder contar com o apoio e solidariedade dos seus colegas de corporação, incluindo aí os meios (veículos e comunicação) e o efetivo (homens) em qualquer situação - evidente demonstração prestígio junto aos seus superiores.
Enquanto isso, as prefeituras municipais, clubes de lojistas, associações comerciais, empresários e a população em geral, vão dispondo de recursos - instalações de câmaras, oferta de veículos, combustíveis e prédios, além de equipar os estabelecimentos comerciais e residências com grades e outros equipamentos de segurança - com objetivo de complementar, tornando mais ágil e eficiente o serviço policial oferecido pelo Estado, mesmo não podendo contar com a integral dedicação e compromisso do agente público.
Tudo lembra aquele pai - cujo filho desvirtuou-se pelo caminho do mal - indagando:- "Onde foi que eu errei ?"
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