sexta-feira, 9 de março de 2007

"BALA PERDIDA" - DISCUSSÃO FORA DO FOCO

O problema já vem de longe - na década de 80, o experiente delegado Manoel Pereira do Nascimento, lá da cidade de Maracaí, já utilizava a expressão "bala perdida atinge vítima" - para capitular um fato então quase inusitado na área policial, que foi se tornando corriqueiro nas grandes cidades.

Evidente que decorre da perda do controle social pelos órgãos responsáveis pela Segurança Pública - também pelo desprezo a regras elementares de convivência social, por exemplo o respeito a pessoas indefesas, como as crianças, velhos e deficientes físicos - decorrente de uma série infinita de equívocos, negligências e outras mazelas da administração pública e do esgarçamento do tecido social.

Como outros problemas sociais - moradia, saúde e educação - a insegurança passou alcançar nos últimos tempos pessoas inocentes e sem qualquer vínculo ou participação com o crime. Basta encontrar-se em local público ou não - muitas vezes são alcançadas, até mesmo no recesso do lar - basta que aconteça um embate entre polícia e criminosos para o cidadão comum ficar exposto a uma "bala perdida".

O resultado é funesto sobre todos os aspectos. Estamos assistindo nos últimos dias crianças e jovens adolescentes serem alvo de "balas perdidas". A gravidade dos ferimentos são de tal ordem, que alguns morrem e outros sofrem seqüelas irreparáveis, como aconteceu recentemente com as garotas Alana e Priscila - uma no Rio de Janeiro e outra em São Paulo.

Esse quadro fica ainda mais sombrio quando ouvimos os responsáveis pelo policiamento ostensivo - como foi o caso de um oficial da Polícia Militar - afirmarem que os confrontos são normais e obedecem a um padrão de conduta das nossas forças policiais. Registre-se que essa declaração foi feita - diante das câmeras da televisão - por um coronel PM quando indagado sobre a conduta de seus policiais diante de uma perseguição a seqüestradores que levavam no carro duas mulheres e uma criança - o veículo ocupado pelas vítimas e marginais foi alvejado por balas de grosso calibre, quase por milagre ninguém saiu ferido.

É bom que se diga, ainda não chegamos àquele estágio de barbárie, onde o criminoso - nos moldes do guerrilheiro e/ou terrorista - para garantir a sua fuga, alveja as pessoas comuns do povo que vai encontrando pelo caminho, supondo que o socorro aos feridos passará a ser prioridade para o policial / perseguidor.

Enquanto isso, assistimos embasbacados os especialistas e a imprensa discutirem a ausência nas estatísticas policiais do número de registros sobre a ocorrência de "balas perdidas" - lamentável, que essa preocupação não alcance os casos com vítima e sem vítimas, como acontecem com os acidentes de trânsito - com essa nomenclatura. Talvez por lhes faltar outros argumentos para explicar o fenômeno, defendem que a distinção sobre circunstância do evento - "bala perdida" - por ocasião do seu registro, contribuiria para o estudo e resolução do problema.

A discussão é posta como se assunto exigisse lucubrações teóricas e de uma profundida tamanha que sua incidência resultaria em variáveis múltiplas permitindo infindáveis suposições. Esquecem que as "balas perdidas", como o "motorista embriagado" e "desordeiro contumaz" - como tantas outras modalidades delituosas - compõem o rol de condutas ilícitas e, portanto, passíveis de punição previstas na legislação penal brasileira.

O autor de "bala perdida" pode estar sujeito a sanção pela prática de uma série de ilícitos criminais. Desde a simples contravenção de "disparo de arma de fogo em via pública" ou "exposição ao perigo" até o crime de homicídio qualificado, passando pela lesão corporal leve, grave ou gravíssima. Já o "condutor alcoolizado" de per si pratica a antiga contravenção, hoje erigida à crime, de dirigir perigosamente e dependendo do resultado, poderá incorrer em outras modalidades criminosos - até mesmo em homicídio. Quanto ao "desordeiro contumaz" - aquele indivíduo ou grupo de indivíduos que perturbam a tranqüilidade pública, provocam dano em próprio oficial ou particular - também estará sujeito a uma gama de acusações.

Portanto, se para cada situação específica - e, observem que sugerimos apenas três situações - a polícia fosse obrigada a definir e estabelecer determinado tipo de ocorrência, haveria de tornar ainda mais complexo e de difícil resolução os seus registros e assentamentos.

Independente de outros embargos ao critério atual e a ausência de melhor sistematização das informações de forma a torná-las melhor compreendidas, a iniciativa de tomar como orientação os títulos e capítulos do Código Penal, como método de agrupar os diferentes fatos registrados pelos órgãos policiais, ainda nos parece o mais adequado.

Caberá a cada segmento interessado na análise e estudo mais aprofundado dos fenômenos sociais, como meio de sugerir medidas e cobrar soluções, ater-se às pesquisas mais detalhadas - conhecendo o código penal, certamente não será difícil encontrar as situações buscadas - como é o caso das "balas perdidas".

Apenas não se pode continuar admitindo - como padrão de conduta - a polícia perseguir e trocar tiros com "bandidos" em vias públicas e locais de ajuntamento de pessoas, quando a situação não o permitir. O caso das duas senhoras e uma criança, quando levadas pelos seqüestradores - durante a perseguição, o carro foi alvo de tiros - é um exemplo a ser lembrado !

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