quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Polícia atuante, pode fazer a diferença

A recente intervenção policial em alguns morros da cidade do Rio de Janeiro, com a intensa cobertura da imprensa, deu ensejo a acalorada discussão envolvendo estudiosos das questões e oportunistas de ocasião, focando o episódio e a questão "segurança pública". Ou, como gosta de afirmar conhecido professor e jornalista de uma cidade do interior:- "a polêmica gestão policial..." expressão, quando desacompanhada de outras considerações a respeito de e eventuais excessos ou possíveis acertos, beira a aversão por um assunto ( ou pessoa ) que não conhece.

O momento, suponho oportuno também para refletir sobre a minha atuação como policial – guarda civil, escrivão e delegado de polícia – na prática, um modelo inexistente de carreira única. Isso por mais de trinta anos, sempre trabalhando na atividade fim – policiamento preventivo e repressivo - prestando serviço em mais de duas dezenas de cidades, incluindo a Capital.

Por certo, diversos foram os momentos que marcaram essa caminhada, mesmo porque as décadas de 60, 70, 80 e 90 foram ricas em episódios "verdadeiramente polêmicos" – renúncia do presidente eleito com grande apelo popular; interrupção do regime democrático; sequência de governos militares; surgimento dos esquadrões da morte; restauração da democracia; planos econômicos; assembleia constituinte … - com os quais, por uma questão de cidadania ou dever de ofício, convivi ou deles estive bem próximo.

Portanto, não é difícil imaginar que assunto não faltaria, tampouco situações ou personagens para descrever e/ou justificar o título do texto, tanto para criticar ou ressaltar a intervenção policial, como órgão responsável pela manutenção da lei e da ordem – elementos essenciais para preservação da paz social.

Por mais que resistisse em não ressaltar alguns feitos – até mesmo para não incorrer em vitupério - pincei das minhas lembranças algumas intervenções que fazem jus, ainda que numa dimensão muito menor, ao momento em que vivemos. A primeira diz respeito ao policial que restabeleceu a lei e a ordem das tardes de domingo de uma praça, resgatando a paz social e restituiu o espaço público, subtraído por infratores contumazes, para uso ordeiro de toda comunidade. Em outra ocasião, a sensibilidade e parceria de diversas áreas da administração pública permitiram remover do centro de uma área urbana, densamente povoada, um depósito de material reciclável ( ferro-velho) que infestava, fazendo proliferar insetos e outros inconvenientes voltados para a saúde pública.

Esses acontecimentos se passaram passou entre abril de 1986 e março de 2.000, na cidade de Palmital – SP, quando ainda recente no cargo de delegado de polícia, recebia a incumbência de dirigir, no âmbito da Polícia Civil, as questões relacionadas com a segurança pública naquela comarca – certamente incluindo os municípios de Platina, Ibirarema e Campos Novos Paulista.

Como reconhecimento, registro que

ali encontrei uma plêiade de policiais conscientes e disposta a fazer a diferença. Por outro lado, uma população ávida por segurança, na expectativa de um tratamento sério, com responsabilidade e orientado ao bem estar de todos.

Lembro que Palmital, como sede da Comarca, além dos problemas inerentes dessa condição – fórum, ciretran, cadeia pública, aproximadamente 1.200 propriedades rurais, com extensa rede de estradas municipais, divisa de estados e margeando seu território uma rodovia perigosa - os órgãos policiais ali instalados ressentiam da falta de efetivo, carência de viaturas e instalações inadequadas para abrigar e desenvolver com eficiência suas atribuições.

Cabia então a cada policial, a responsabilidade de superar as dificuldades e encontrar no empenho, dedicação e criatividade os meios para atender a demanda crescente pelos seus serviços.

Não parece, mas já decorreu praticamente um quarto de século e, mesmo levando em conta a evolução da vida nas cidades, efeitos decorrentes do êxodo rural e do aumento dos considerável do número de veículos. Ainda que a atividade policial tenha obtido de ganhos na área técnica, não seria descabido consignar que a maioria dos problemas e dificuldades atualmente enfrentados já existiam naquela época:-

na área da polícia civil, as instalações permanecem as mesmas e ao pessoal pouco foi acrescentado;

a cadeia pública, ainda do tempo da "Mariazinha criminosa ...", não oferece condições mínimas de segurança, intriga saber que recebe presos de toda região, até mesmo de Ourinhos;

apenas a polícia militar, ao que nos revelam as notícias, apresenta algumas melhorias em suas instalações e no seu efetivo;

por seu lado, os índices de criminalidade e registros de ocorrências, cada vez mais graves parecem ter agravado;

quanto aos serviços prestados, pelos comentários e reclamações, indicam pouca melhoria, supostamente decorrente de inovações introduzidas.

Retornando ao tema proposto, não poderia deixar de discorrer, até mesmo para satisfazer a curiosidade dos leitores, sobre os episódios destacados – se outro motivo não houvesse, até mesmo para não cair no esquecimento e servir como exemplo, valorizando a atuação dos agentes envolvidos e reconhecer os seus feitos - por nos parecerem bem atuais.

Apesar de conhecer a cidade, logo procurei me inteirar do seu cotidiano, incluindo a circulação de veículo e convivência dos concidadãos, mesmo porque gozava da fama de pessoal valente, causando indignação saber que a Praça Santo Antônio, no Bairro Paraná – local de quermesses e festas religiosas memoráveis - nas tardes de domingo era invadida e dominada por motociclistas, motoristas e desordeiros de toda ordem, que ali se instalavam com seus veículos – invadindo suas alamedas e áreas vizinhas - com propósito de promoverem os famosos "rachas" e manobras perigosas de toda ordem, desafiando o poder público e impedindo que os moradores e demais munícipes fizessem uso daquele espaço público.

Coube ao investigador, então responsável pelos serviços da Ciretran, comparecer discretamente no local – sem alarde, viatura ou sensacionalismo – para anotar as placas dos veículos e, se possível, a identidade dos condutores envolvidos naqueles atos contrários à ordem pública e paz social.

Uma vez identificados, os proprietários dos veículos e condutores reconhecidos, foram todos intimados a comparecerem na delegacia de polícia com suas motos, caminhonetas e automóveis, sendo os veículos vistoriados, documentos verificados e impostas as sanções correspondentes às infrações praticadas – incluindo aí, a instauração de processos sumários, ainda vigia a lei 4.611/65, apreensões de veículos e de CNHs, estas acompanhadas da suspensão do direito de dirigir do seu portador, por tempo determinado.

Com essa intervenção, o poder público se fazendo presente permitiu que tardes de domingo na Praça Santo Antônio voltassem à normalidade. A tranqüilidade de crianças brincando, casais namorando e as pessoas podendo usufruindo daquele espaço, mesmo porque se tratava de um bem público, de uso comum.

Quanto a remoção do depósito de ferro-velho, numa ação conjunta de diversos órgão exigiu esforço redobrado – aí incluindo saúde pública, prefeitura municipal, polícia civil e até mesmo ilustres advogados da comarca – por se tratar de atividade econômica autorizada e regulamentada por lei.

Lembro que na época a epidemia de "dengue" ainda não grassava de forma alarmante, como nos dias de hoje, tampouco a população estava informada e consciente do perigo da presença de larvas do mosquito Aedes Egypid e dos cuidados necessários a evitar sua proliferação. Por outro lado, naquele período, as prefeituras ainda não estavam engajadas nas atribuições de vigilância sanitária – cabendo tão somente ao pessoal do Estado realizar as campanhas de prevenção e fiscalização – como ocorre atualmente.

Mas foi a postura dos moradores do Bairro São José, área próxima do Supermercado Zannete, exigindo que os agentes da vigilância sanitária fiscalizasse o depósito de ferro-velho antes de ingressarem nas suas residências para vistoriar possíveis focos de larvas. Diziam que o estabelecimento funcionava a céu aberto e os materiais recicláveis ali depositados, sem qualquer cuidado, acabava se transformado em verdadeiro criadouro de insetos, incluindo o Aedes Egypet.

O zeloso médico-chefe da Unidade Sanitária, não encontrando respaldo junto à Prefeitura Municipal - tudo se reduzia a questão política - procurou então a delegacia de polícia em busca de alguma orientação, pois a princípio não vislumbrava possibilidade de uma ação policial. Foi lhe então sugerido o encaminhamento de um comunicado oficial e com esse documento em mãos, a primeira providência foi notificar o responsável pelo estabelecimento sobre os graves problemas de saúde pública decorrentes do funcionamento do seu depósito de "ferro-velho" em condições inadequadas.

Curiosamente, mesmo se tratando de uma pessoa simples e um pouco rude, manifestou de imediato disposição de transferir seu estabelecimento, desde que lhe fosse cedida, ainda que temporariamente, uma área cercada e com espaço suficiente para acomodar dezenas de toneladas de material reciclável que dizia pretender vender.

Com a intermediação do seu procurador jurídico, a prefeitura municipal foi convencida a despir-se de qualquer interesse político e engajar na resolução do problema, oferecendo um espaço vizinho ao depósito de lixo ( lixão municipal ), nas condições sugeridas pelo comerciante. Com isso, foi possível notificá-lo a desocupar o terreno, utilizado para atividade perigosa sem os cuidados necessários, dentro de um prazo razoável.

Durante o período, ainda houve outras ponderações – inclusive com intervenção dos advogados contratados pelo causador do transtorno - mas logo superadas e no dia aprazado a pá carregadeira e caminhões da prefeitura tomaram posição – a atuação do "Chapéu de Couro", operador da máquina foi fundamental – e mesmo com alguma resistência do negociante, o material ali depositado em condições inadequadas foi removido. Antes do horário do almoço, do prédio da delegacia era possível ouvir o espoucar de fogos de artifício – e os moradores do bairro comemoravam a resolução do problema que os atormentavam de longa data e causava séria preocupação no âmbito da saúde pública.

Por último, deixo o registro, na forma de homenagem ( in memorian ) à operadora de telecomunicações Valéria, cuja dedicação e lhaneza no trato com o público, particularmente com as pessoas mais humildes, permitiram que delegacia de polícia de Palmital desenvolvesse um serviço percursor ao "Poupa Tempo" - ainda nos tempos da máquina de escrever.

Os munícipes, quando assim quisessem, poderiam dirigir-se diretamente à repartição policial para obter sua carteira de identidade, atestado de toda ordem e até porte e/ou registro de arma. Suprimida a intermediação de terceiros, evidente que os custos ficavam adstritos às taxas, quando cabíveis, facilitando sobremaneira a vida dos moradores da cidade e região.

Concluindo, como acontece atualmente na cidade do Rio de Janeiro, a ação policial efetiva, coletiva ou isolada, exercida com honestidade, desprovida de personalismo, voltada para o bem comum e balizada pelo ordenamento jurídico vigente no país, pode realmente fazer a diferença, desde que detenha o atributo da continuidade – elemento indispensável para sua consolidação – como direito do cidadão e dever do Estado.

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