sexta-feira, 19 de maio de 2006

O GUARDA-CANCELA VICENTE

Em outro texto, fiz referência apenas en passant dessa pessoa admirável. As minhas primeiras lembranças, dão conta de um homem forte, de pele clara, avermelhada, já um senhor, casado e com muitos filhos. Morava com sua família em uma das duas casas que a ferrovia mantinha ? do lado de baixo dos trilhos, próximas da avenida Jacinto Sá - para seus funcionários.

O posto de trabalho do senhor Vicente, era a passagem de nível existente na rua Antônio Prado. Era tempo de pujante movimento ferroviário. A estação de Ourinhos, como entroncamento e ramal para o Estado do Paraná, mantinha sua estação, armazéns e páteos sempre movimentado. Por pessoas, cargas e trens.

Meus primeiros contatos com aquela figura de homem sizudo e autoritário - até certo ponto grosseiro - mas cônscio da responsabilidade decorrente de seu cargo, aconteceu quando fui matriculado no jardim da infância do Grupo Escola ?Jacinto Ferreira de Sá?, com meus 5 ou 6 anos de idade.

A cidade ainda mantinha algumas ruas sem calçamento e o movimento de veículos era pequeno. Apenas alguns motoristas ? digamos, mais empolgados ? causavam alguma preocupação. Os demais dirigiam com cautela e segurança, talvez porque ainda não haviam sido despertado pela competição dos dias atuais. A preocupação maior das pais, era com a passagem dos trilhos da ferrovia.

Lógico que as primeiras idas para a escola, fui levado pela minha mãe ou por algum dos irmãos mais velhos. Mas, logo depois - apenas munido de guarda-sol, de pequeno porte, que meu pai impôs para me proteger do sol escaldante, já que a cidade ainda não tinha as ruas arborizadas - passei ir sozinho para a escola. Para quem ainda não sabe, eu morava na avenida Jacinto Sá, no quarteirão da "Oncinha".

Nessa caminhada, além de guardar as orientações de meus pais, contava com a atenção, zelo e autoridade do senhor Vicente. Ali na passagem dos trilhos - em sua área de atuação - detinha a autoridade máxima. Diante da aproximação de uma composição, no momento em que puxava manualmente a cancela - fechando a passagem - não havia pedestre, ciclista, carroceiro ou cavaleiro que ousasse desafiá-lo ou afrontar sua atuação.

Não havia faixa amarela - como as existentes no metrô - mesmo assim, o simples olhar vigilante e a postura do senhor Vicente fazia com que as pessoas permanecessem afastadas dos trilhos. Com as crianças e idosos seu cuidado era redobrado.

Igual autoridade exibia quando o trem - em manobras intermináveis - impunha atraso aos estudantes no horário das aulas e aos trabalhadores no ingresso em seus empregos. Indicava com segurança que o trem estava parado - o contato com o maquinista e manobrador era pessoal - e auxiliava as crianças e as pessoas mais idosas a transporem a composição. Sempre havia algum vagão, mesmo de carga, com uma passagem provida de escada. Ou mesmo saltando por entre os engates, dificilmente perdíamos o horário.

Por certo, o respeito ao guarda-cancela Vicente, decorria da confiança que despertava nos usuários e da responsabilidade que se dedicava ao seu mister, que tornava aquele trabalho - aparentemente simples - eficiente, importante e reconhecido pela comunidade.

Talvez, em nossos dias - onde o princípio da autoridade e respeito as regras de boa convivência se revelam desmoralizadas - o exemplo de dedicação e responsabilidade do senhor Vicente, seja um exemplo a ser lembrado !
(Folha de Ourinhos - 13/08/2006)

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