Em outro texto, fiz referência apenas en passant dessa pessoa admirável. As minhas primeiras lembranças, dão conta de um homem forte, de pele clara, avermelhada, já um senhor, casado e com muitos filhos. Morava com sua família em uma das duas casas que a ferrovia mantinha ? do lado de baixo dos trilhos, próximas da avenida Jacinto Sá - para seus funcionários.
O posto de trabalho do senhor Vicente, era a passagem de nível existente na rua Antônio Prado. Era tempo de pujante movimento ferroviário. A estação de Ourinhos, como entroncamento e ramal para o Estado do Paraná, mantinha sua estação, armazéns e páteos sempre movimentado. Por pessoas, cargas e trens.
Meus primeiros contatos com aquela figura de homem sizudo e autoritário - até certo ponto grosseiro - mas cônscio da responsabilidade decorrente de seu cargo, aconteceu quando fui matriculado no jardim da infância do Grupo Escola ?Jacinto Ferreira de Sá?, com meus 5 ou 6 anos de idade.
A cidade ainda mantinha algumas ruas sem calçamento e o movimento de veículos era pequeno. Apenas alguns motoristas ? digamos, mais empolgados ? causavam alguma preocupação. Os demais dirigiam com cautela e segurança, talvez porque ainda não haviam sido despertado pela competição dos dias atuais. A preocupação maior das pais, era com a passagem dos trilhos da ferrovia.
Lógico que as primeiras idas para a escola, fui levado pela minha mãe ou por algum dos irmãos mais velhos. Mas, logo depois - apenas munido de guarda-sol, de pequeno porte, que meu pai impôs para me proteger do sol escaldante, já que a cidade ainda não tinha as ruas arborizadas - passei ir sozinho para a escola. Para quem ainda não sabe, eu morava na avenida Jacinto Sá, no quarteirão da "Oncinha".
Nessa caminhada, além de guardar as orientações de meus pais, contava com a atenção, zelo e autoridade do senhor Vicente. Ali na passagem dos trilhos - em sua área de atuação - detinha a autoridade máxima. Diante da aproximação de uma composição, no momento em que puxava manualmente a cancela - fechando a passagem - não havia pedestre, ciclista, carroceiro ou cavaleiro que ousasse desafiá-lo ou afrontar sua atuação.
Não havia faixa amarela - como as existentes no metrô - mesmo assim, o simples olhar vigilante e a postura do senhor Vicente fazia com que as pessoas permanecessem afastadas dos trilhos. Com as crianças e idosos seu cuidado era redobrado.
Igual autoridade exibia quando o trem - em manobras intermináveis - impunha atraso aos estudantes no horário das aulas e aos trabalhadores no ingresso em seus empregos. Indicava com segurança que o trem estava parado - o contato com o maquinista e manobrador era pessoal - e auxiliava as crianças e as pessoas mais idosas a transporem a composição. Sempre havia algum vagão, mesmo de carga, com uma passagem provida de escada. Ou mesmo saltando por entre os engates, dificilmente perdíamos o horário.
Por certo, o respeito ao guarda-cancela Vicente, decorria da confiança que despertava nos usuários e da responsabilidade que se dedicava ao seu mister, que tornava aquele trabalho - aparentemente simples - eficiente, importante e reconhecido pela comunidade.
Talvez, em nossos dias - onde o princípio da autoridade e respeito as regras de boa convivência se revelam desmoralizadas - o exemplo de dedicação e responsabilidade do senhor Vicente, seja um exemplo a ser lembrado !
(Folha de Ourinhos - 13/08/2006)