segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

CORÓ - PRECURSOR DA RECICLAGEM

Estou me referindo a uma época – final dos anos 50 e início da década de 60 – em que a cidade de Ourinhos convivia com uma imensa vala, também conhecida como voçoroca, ao que parece provocada pelas águas fluviais que escorriam ao nível das ruas – ainda desprovidas de galerias - descendo da parte alta até  desaguarem nas terras do senhor Ângelo Christone, no final da rua Pedro de Toledo.

Partindo daquele ponto, ou ali terminando, o “buracão” como a população denominava aquela área degradada da cidade, serpenteava o perímetro urbano já bem povoado, esgueirando-se pelos fundos dos quintais das residências, interrompendo ao se aproximar da antiga rua Goiás – hoje, Narciso Migliari – para depois retornar, solapando parte do terreno da Padaria Itoda, até alcançar a esquina da rua Brasil com Gaspar Ricardo.

Com essa introdução, para compreensão dos eventuais leitores, talvez já possa localizar e descrever a propriedade do senhor Coró, então  localizada na esquina da rua Goiás com a Visconde do Rio Branco. Ali, num terreno amplo – bem na beira do “buracão” - aquele homem, de hábitos e aparência rudes, vivia com sua numerosa família numa casa de construção bem rústica e no entorno da residência desenvolvia sua atividade de acumular todo tipo de material descartado pela população, além de manter animais domésticos, galinhas, porcos cabritos, cavalos e outros.

Por certo a aparência não era nada agradável, evidente que produzia algum desconforto, não só para as pessoas que ali habitavam, particularmente as crianças constantemente sob o risco de cair na vala – disso logo superavam, pois a diversão dos mais crescidos era transpor o “buracão” pendurados ( trocando de mãos ) na canalização de distribuição de água suspensa entre suas margens – ou se contaminar com aquela sujeira, como também aos vizinhos expostos à proliferação de insetos e bichos peçonhentos. No mesmo quarteirão, descendo em direção ao cemitério, já existia a “coloninha” - uma série de casas em construção de madeira, suponho destinadas às primeiras famílias trazidas para o centro urbano pelo êxodo rural –  o primeiro conjunto de casas populares construído na cidade, onde surgiram grandes craques do futebol ourinhense.

Além de acumular ferro-velho, vidros, latas, papelão e outros materiais, certamente destinados a venda no atacado, o senhor Coró ainda se esmerava em transformá-los em utensílios de uso doméstico – como era o caso das latas de óleo, depois de recortadas suas partes planas eram ajustadas dando lugar a um recipiente no formato de tacho. Cabia a um dos seus filhos – bem mais que um adolescente, quase um jovem – sair pelas ruas oferecendo os tachos de lata. Em um deles sempre levava sabão de cinza, moldados com se fossem bolas, produto também de fabricação familiar, muito aceito pelas donas de casa para alvejar as roupas sempre impregnadas pela terra rocha de difícil remoção. Era comum vê-lo parado ao lado de um “campinho”, mais no centro da cidade, apoiando sua mercadoria em uma das coxas, suspensa pelo pé apoiado no joelho da outra perna (?), observando, com o olhar ávido, os meninos jogarem futebol.

Por mais que a família se movimentasse no afã de buscar o sustento para todos, era evidente que as condições de vida daquelas pessoas não se aproximava do ideal – ainda assim mantinham-se ali agrupados. Lembro que uma das filhas do senhor Coró, uma moça simpática e agradável, ainda bem jovem passou a frequentar a Igreja Metodista. Com seu sorriso largo e forma amistosa de se relacionar logo se integrou àquela comunidade – muitos anos depois, num desses eventos familiares, a reencontrei, então uma senhora, mostrando a mesma disposição de outrora e igual alegria de viver.

Não custa lembrar que na mesma época outras pessoas já se ocupavam da recuperação de materiais inservíveis – os conhecidos ferro-velhos, não confundir com os atuais famigerados “desmanches”, estes nem sempre voltados para uma atividade lícita – como era o caso do “Tonico Soares, na rua Duque de Caxias, e do Raimundo Barrueco, misto de empresário e policial voluntário.

Resta lembrar que personagens como o senhor Coró e outros, como o velho e simpático italiano que diariamente percorria as ruas da cidade, de corpo franzino, alquebrado pelo tempo, sempre trazia no braço sua cesta de vime e anunciava a compra de vidros descartáveis cantando “Torori-Tororó” - no que era acompanhado pela criançada – merecem registro na nossa história e com essas lembranças rendo-lhes essa homenagem!

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Proliferação de presídios

À distância não consigo entender a ânsia - até mesmo, sem muita pressão - dos últimos Governos do Estado de São Paulo em construir, numa sequência quase irracional, presídios nos quatro quadrantes do território paulista. Observo que isso vem acontecedendo a quase duas décadas - período em que o número de vagas praticamente triplicou. Louve-se o fechamento no mesmo período da Casa de Detenção - Carandiru - e a desativação das cadeias dos distritos policiais da Capital e Cadeias do interior - particularmente das cidades médias e grandes. Nesses casos, os imóveis foram transferidos para a Secretaria da Administração Penitenciária, em alguns a Polícia Civil livrou-se do encargo de vigiar presos a troco de seu patrimônio. Agora, retornando ao tema proposto, não vejo coerência, tampouco prioridade, na ação do Governo Estadual, visto que apregoa, com certo alarido e algum exagero, que os índices de criminalidade estão sendo reduzidos drasticamente, apesar da atuação dos seus órgãos de prevenção e repressão não justificar o fenômeno - exceção das guardas municipais, armadas ou não, cada vez mais envolvidas em atribuição de responsabilidade do Estado. Por outro lado, a ausência de sensibilidade e a falta de critério dos juízes, promotores e delegados - muitas vezes aprisionando ou mantedendo na prisão infratores ocasionais ou de baixa periculosidade, mesmo com lei autorizando outra medida - esgotam rapidamente as vagas continuamente criadas pelos novos presídios. Até parece a corrida do gato e do rato! Ainda nos intriga saber que esses mesmos governantes não guardam a mesma preocupação nas questões relacionadas com a saúde pública - por certo o custo para construção e manutenção de um presídio não se distancia do valor correspondente a de um hospital de médio porte. É claro, por evidente, que a importância da saúde e da vida das pessoas sobrepõe, em valor humano, social e moral, ao encarceramento de um pequeno ou médio infrator, - não adianta querer mencionar o prejuízo decorrente de um furto ou roubo, os valores das grandes falcatruas na esfera pública superam em muito o montante do dano causado pela população de qualquer presídio paulista. Enquanto isso, vamos assistindo impavidamente os médicos escolherem, face a inexistência de vagas suficentes em nossos hospitais, quais pacientes irão receber tratamento condizente com sua condição humana - os demais relegados à própria sorte nos corredores de atendimento. Atualmente, essa mesma situação praticamente já não existe na esfera do sitema prisional. Portanto, a discussão sobre a conveniência e oportunidade da criação e construção de novos presídios no Estado de São Paulo é oportuna - melhor seria direcionar o aproveitamento racional das 300.000 vagas atualmente existentes!

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